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Bom Karma... ou não!

segunda-feira, setembro 26, 2011

"O AMOR É FODIDO"

Para os que não sabem, o título deste artigo é uma apropriação de um outro, de um livro de Miguel Esteves Cardoso e, provavelmente, a coisa mais acertada que o dito cronista escreveu. Não que eu desdenhe da escrita e das opiniões de MEC, muito pelo contrário. Posso não concordar com tudo o que diz, mas admiro o seu raciocínio e o seu poder de observação. E por isso mesmo me lembrei desta frase para título de um texto que fala disso mesmo, do amor ser fodido.

Porque o amor é todos os clichés históricos que lhe são dedicados mas é também muitos mais que não abonam nada em seu favor. É um pau de dois bicos, uma prenda envenenada, uma bomba relógio. É um potenciador de inseguranças, de medos, desconfianças e, imagine-se, de mais clichés, estes de género. Um homem apaixonado pensa sempre que a mulher se vai comportar desta ou aquela forma; uma mulher apaixonada acredita sempre que o homem se vai comportar, mais cedo ou mais tarde, como os pais lhe ensinaram. Que lhe vai fazer alguma, que a vai desiludir, que vai ser aquilo para que ela sempre foi avisada, prevenida, alertada. Pavlov não faria melhor que a tradição das relações entre homens e mulheres – esse objecto social congelado e conservado, aparentemente imutável, por muitas revistas da especialidade que possamos ler e que tão bem nos aconselham. Revistas que nos dizem, mês após mês, como ser mesmo bom no sexo oral - que inclusive enumeram os dez passos para um cunilingus ou felatio absolutamente vencedores - que nos fazem acreditar que velas, pétalas de rosa no banho e incenso ainda são a garantia de uma noite romântica, que os alimentos afrodisíacos resultam mesmo e que as mulheres apreciam mesmo homens românticos capazes de acreditar nestas baboseiras.

Porque tudo isto perde por goleada contra os males de amor, que são bem mais do que as dores de amar, quer se seja retribuído nesse amor ou não, e que são as tais certezas acima referidas. Porque, e sejamos sinceros, todas as pessoas no mundo sofrem destas coisas, com mais ou menos gravidade. A verdadeira questão é que raramente falam nelas, muito menos com o (a) parceiro (a), e deixam-se consumir por estes medos mais ou menos racionais, mais ou menos emocionais, mais ou menos emotivos e cedem à tradição secular de acreditar, esperar, que tudo o que está previsto pelos seus antecessores vai mesmo suceder. E é aqui que entra o Pavlov novamente. Somos condicionados por aquilo em que acreditamos, muitas das vezes, mais do que acreditamos no que sentimos. Aliás, muito frequentemente, esquecemos o que sentimos para só nos lembrarmos de tudo o que pode correr mal numa ralação, como se necessitássemos de nos tratar mal, de nos pôr à prova, de nos angustiarmos. É uma campainha lixada, esta, que nos deixa a salivar mas de incerteza ou, para ser mais correcto, de falsa certeza.

Desse ponto de vista – chamem-lhe clássico, tradicional, mítico – o homem será sempre objecto de desconfiança, capaz de atrocidades emocionais como o relaxamento, a falta de atenção, o comodismo e, claro está, a traição. Porque um homem não pode ver um rabo, de saia ou de calças, é indiferente, que logo sai a correr atrás dele para, como cabeça de veado na parede da sala, o ter na sua lista de troféus. É isto tão certo como todos os homens gostarem de futebol, certo? E é por isto que os homens se tornaram, gradualmente, em criaturas inseguras, com medo de que a própria sombra lhes roube a fêmea, desconfiados de tudo o que mexe, até da sogra, especialmente da sogra, particularmente da sopa da sogra, dos conselhos da sogra, da experiência de vida da sogra. É por isto que o homem acreditou que podia ser lamechas, piegas e ridiculamente romântico; porque se convenceu de que seria bem aceite pelas mulheres, porque leu demasiadas revistas femininas sentado na retrete. Acabou por perceber que afinal não seria mais do que somente ridículo, alvo do sorriso trocista e irritantemente maternal das mulheres e tão “minha nossa senhora, que pegajoso”. Que afinal essas revistas não são mais do que aproximações foleiras ao universo das novelas de bolso e ao imaginário feminino onde todos os homens são capatazes de tronco despido, suados mas sem cheirar a suor, de mãos largas e fortes, mas nunca ásperas do trabalho, e dentes impecavelmente brancos, hálito fresco como a madrugada. Percebeu o homem que esse imaginário existe, sim, mas não na vida real do dia-a-dia emocional das mulheres. É por isto que hoje em dia o termo pinga-amor tem outro significado bem diferente do antigamente e é agora ainda menos abonatório. Agora o pinga-amor é um homem insuportavelmente meloso, só admissível nos livros escritos para gajas - os Nicholas Sparks da literatura - ou nas séries de televisão - os big de Upper East Side que vão a Paris atrás da mulher amada.

Triste homem, ingénuo homem, que acreditou piamente que este era o caminho para mudar a imagem do homem-tipo, para fugir à inevitabilidade comportamental da sua raça, raça de homem! incapaz de transmitir segurança a quem o ama.

E no entanto, tudo o que está aqui escrito não é mais do que eu a cometer o mesmo erro, ou seja, a acreditar piamente no que penso; a torná-lo universal, transversal a todas as mulheres, esquecendo-me de que existem excepções à regra ou vice-versa. Isto sou eu, lamechas assumido, a exorcizar a minha experiência, a acalmar e calar os cadáveres que trago às costas e a explicar a mim mesmo porque me arrependo de muitas das coisas em que já acreditei – ou acredito, sei lá eu. Tudo isto podia muito bem ser porque desprezo o efeito Nicholas Sparks e porque faria exactamente o que fez o big e tantos outros heróis românticos do cinema, ou porque simplesmente já o fiz e muitas das vezes para nada, na verdade, para nem sequer ser notado ou muito menos para perceberem que o tinha feito e com que intenção ou ainda para ser mal interpretado. Tudo isto sou eu a admitir que também sou o homem que naturalmente leu demasiadas revistas femininas na retrete quando devia ter lido as bulas dos medicamentos e que hoje quer tudo menos ser piegas, ridiculamente lamechas, pegajosamente pinga-amor (na nova versão) e que provavelmente deveria ser diferente, mais próximo do homem que todas as mulheres temem mas que na verdade odeiam adorar.

Isto sou eu, no melhor e no pior. O mel e o fel. Ambos justificados.

E isto sou eu a perceber que afinal o título deste texto não é o mais acertado. Não anda longe deste assunto, mas não diz tudo, de todo.

1 Comments:

  • At 18:18, Anonymous Anónimo said…

    "I know how that feels bro"! :P Putz...revi-me em ti! Passei e passo por este tipo de coisas!

     

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