Dia 27, madrugada num quarto em Torres Novas
Deito-me num quarto antigo, vestido com móveis antigos e vejo, por entre duas portadas antigas, a luz da noite de Torres Novas. Mas não estou aqui.
Levado pelo ambiente quase colonial deste antigo quarto, e pela flauta de Rakesh Chaurasia, imagino que lá fora, para lá daquelas antigas portadas, está Calcutá, uma cidade de doze milhões de pessoas.
Sinto que de manhã vou sair deste quarto, descer as escadas forradas a alcatifa, cumprimentar o simpático senhor ao balcão do hotel, cegar momentâneamente com a intensidade do sol lá fora e dar os meus primeiros passos pelas ruas recheadas de gente já encharcado em suor.
Imagino-me a caminhar por entre a confusão de pessoas, hindus, bengális, carros, animais, lixo, ruídos, cheiros.
Arriscarei um corte de cabelo numa barbearia de esquina e de seguida um pequeno almoço num café com paredes cobertas por um papel vermelho sangue com pequenas estrelas prateadas.
Vou retribuir sorrisos e inspirar com toda a vontade e com todos os pulmões o estranho cheiro a morte com especiarias desta cidade.
Vou perceber finalmente porque tantas vezes ouvi a expressão "não há luz como esta".
Caminhar horas, atravessar pontes, fintar o trânsito caótico e refugiar-me do calor no átrio do primeiro hotel que encontrar.
Ao fim da tarde vou percorrer os últimos metros que me separam do Gânges. Quando chegar ás escadas que lhe servem de margem, vou lentamente arregaçar as calças, pegar nas minhas sandálias e, fazendo disso a minha pequena cerimónia, vou entrar nas suas águas. Talvez faça uma prece, embora não saiba bem a que divindade; vou encarar o sol laranja à minha frente, saborear o frio da àgua na minha pele e sentir a tua falta.
2 Comments:
At 18:46, Carlos said…
Gosto mesmo de ti, amigo.
E vê lá se canalizas essa veia para o nosso projecto!
At 17:03, karmatoon said…
Canalizarei, canalizarei...
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