FANTASPORTO - COMEMORAR O QUÊ?
Comemorar trinta anos sem pompa e circunstância e (quase) sem qualidade é triste. Especialmente quando se trata daquele que é inequivocamente o maior e mais importante festival de cinema em Portugal. A 30ª edição do Fantasporto deixou evidente, como nunca até aqui, o mau momento que o certame atravessa. Poucos filmes, poucos, pouquíssimos filmes interessantes, a gritante falta de apoios e uma série de coisas que têm rapidamente de mudar. Em ano de evidente contenção da despesa, o Fantas foi prejudicado pelos elevados custos dos transportes e seguros a pagar por cada um dos filmes a concurso. Esta é a razão que explica a ausência (há já alguns anos, diga-se) de obras representativas de duas cinematografias que habitualmente eram presença obrigatória no festival. O cinema da Austrália e da Nova Zelândia chegou a Portugal pela mão do Fantas; tinha seguidores atentos e constituía uma grossa fatia do programa, ano após ano, mas a verdade é que trazer um filme do outro lado do planeta é, por estes dias, demasiado caro para uma organização que se vê obrigada a apertar vários furos no cinto.
Ainda assim, e partindo do princípio mais do que certo de que os filmes desta edição 2010, foram os mais baratos, há algo nos critérios de escolha que deixa muito a desejar. Se antigamente alguns dos filmes a concurso eram tão maus que se tornavam acarinhados e podiam ser alvo do gozo implacável do fiel «público-Fantas», a verdade é que o ano fica marcado pela maior colecção de filmes insignificantes, aborrecidos e completamente desinteressantes. Não chegam sequer para despoletar o ódio dos espectadores.
Provavelmente, o Fantasporto terá urgentemente de rever os seus objectivos, em Portugal e no estrangeiro. Reduzir a ambição e, logo, as expectativas, poderá ser um dos caminhos. Nunca foram necessários grandes nomes ou aguardados blockbusters para o festival ter sucesso, público e o respeito popular e institucional pretendidos. Necessário - vital, até - era dar seguimento a uma mística que irremediavelmente se perdeu por entre as paredes derrubadas do antigo Auditório Nacional Carlos Alberto. Mudou-se a casa e mudou-se o ambiente, os filmes e a ambição, que cresceu em demasia. Há que mudar novamente. Urgentemente.
O Fantasporto pode-se orgulhar, contudo, de estar a conquistar um novo público jovem. Público que veio em 2010 ao seu primeiro festival. Público que pode muito bem substituir o «público-Fantas» que aos poucos se foi desiludindo e desistindo de aparecer. É, no entanto, um fenómeno perverso, este, já que esta nova geração de potenciais seguidores é a mesma que acaba de escolher "Solomon Kane" para o prémio do público. Gostos à parte, a verdade é que "Solomon Kane" é um produto realizado para ser um puro blockbuster e que ainda por cima está para estrear comercialmente em Portugal.
O mais grave disto tudo é a posição (quase) oficial da Câmara do Porto face ao Fantasporto. Pior do que não apoiar o festival, o executivo de Rui Rio parece apostado em tudo fazer para o prejudicar como, por exemplo, brigar a organização a pagar contas de água, luz e telefones do Rivoli, assim como os vencimentos dos seus assistentes de sala - péssimos, diga-se de passagem. Para além disso, foi por outra acção desastrosa da CMP que o Fantasporto desistiu à última da hora, da habitual Cidade do Cinema, que ocupava a Praça D. João I e que servia como mesa de apoio à principal infra-estrutura do festival, o Rivoli. De acordo com a autarquia, a organização teria de se responsabilizar pelos custos de montagem e desmontagem da tenda e ainda pagar pela licença de ocupação do espaço urbano em questão.
Acaba a 30ª edição do Fantasporto em clima de dúvida. Será 2011 ano de nova mudança de casa? Continuará a Câmara Municipal do Porto a servir de veículo para a guerra privada de Rui Rio com a cultura da cidade? Será em 2011 que o Fantasporto tem os tão aguardados (e necessários) apoios financeiros? É o próprio Mário Dorminsky quem acusa o Instituto do Turismo de comparticipar o Fantas com 50 mil euros e o Estoril Film Festival com 700 mil. Exagerado? Sem dúvida. Por muita qualidade que o festival de Paulo Branco apresente, e por muito importante que isso possa ser para o turismo nacional, o historial e o reconhecimento internacional do Fantasporto são esmagadores quando comparados com os escassos quatros anos do certame do Estoril.
Algo tem rapidamente de mudar no núcleo duro do Fantasporto, na sua organização e nos seus critérios. Mas algo tem ainda mais rapidamente de mudar nesta política cultural que mais não é do que um fantasma de algo que nunca existiu. Para dar o exemplo, a organização do Fantas tem de assumir algo que tem faltado nos últimos anos, coerência. Coerência temática, porventura, de qualidade das obras, fundamentalmente, mas acima de tudo de postura e de discurso. Mário Dorminsky não pode fazer alarde da função de serviço público do Fantasporto e do papel que durante quinze dias o festival assume enquanto "cinemateca, casa do cinema e museu de cinema", e gabar-se da verdadeira missão que é servir de embaixador do melhor cinema que se faz na europa - contrariando a tendência meramente comercial das salas portuguesas, que se limitam a exibir cinema americano - para logo a seguir e no mesmo discurso, usar um trunfo desleal e contraditório. Dorminsky terminou a sua intervenção apregoando de ter "The Crazies" como filme de encerramento da edição 2010 - só por acaso, um filme americano e, só por acaso, um dos blockbusters do ano no seu país de origem. Não faz grande sentido, pois não?
1 Comments:
At 15:28, baba said…
mas foi na mesma MUITO bom: nós, o zé, o meu irmaozinho, o sangue e as gomas :)
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