kar(ma)toon

Bom Karma... ou não!

segunda-feira, outubro 12, 2009






É melhor deixar já bem claro que "Hunger", o primeiro filme realizado por Steve McQueen é desde hoje de manhã um dos meus filmes preferidos de sempre.
Dito isto...
Steve McQueen nasceu em 1969 e quase de certeza que deve o seu nome ao facto dos seus pais serem grandes fãs da estrela de Hollywood. No entanto, o homem não se tornou famoso pelo nome mas sim por fazer parte desse movimento cultural conhecido por YBA (Young British Artists). Artista plástico com algum nome no Reino Unido, McQueen apostou sempre em realizar pequenos filmes, normalmente a preto e branco, projectados em paredes das galerias onde expunha.
Posto isto, falemos do seu primeiro filme fora do universo das galerias e museus. "Hunger", também escrito pelo realizador, conta a história de Bobby Sands e de outros 70 activistas do IRA, prisioneiros na década de 80 e que não satisfeitos com a falta de reconhecimento que tinham por parte do movimento republicano que apoiavam, e pela falta de apoio da comunidade internacional, decidiram fazer uma greve de fome concertada e sem quaisquer hipóteses de ser interrompida. Ou seja, uma greve de fome até às últimas consequências.
Os 75 detidos não tinham quaisquer direitos. Viviam como animais, e a brutalidade dentro da cadeia era inenarrável. Assim sendo, é preciso vê-la, não desviar os olhos e vê-la, e é mesmo isso que o filme de McQueen nos obriga a fazer. Não é de forma alguma um filme para qualquer estômago. É duro, violento, nojento, revoltante... e belíssimo. Parece uma contradição, mas é mesmo necessário ver a obra de McQueen para perceber como é possível um realizador tornar um filme em que homens nus, subnutridos, sujos, que pintam as paredes das suas celas com os próprios excrementos, num objecto de uma beleza clínica, poética e totalmente inabalável.
Em "Hunger" cada plano, cada cor, cada som, cada peça de roupa ou de mobiliário são pensados ao mais ínfimo pormenor. Cada fotograma de "Hunger" foi claramente planeado com a maior e mais cuidada das minúcias. É nesse sentido um filme-obra-de-arte. Um quadro, uma escultura, um projecto arquitectónico. Terrivelmente belo.
Mas de uma beleza que não nos deixa nunca sossegados. Que nos esmurra continuamente o estômago, que nos mete naquelas celas, que nos faz sentir o cheiro daqueles homens e que nos obriga a sentir as dores das bastonadas e dos pontapés nos rins. Sem pedir autorização, McQueen filma o que tem de ser filmado, sem paninhos quentes, sem cuidados com a sensibilidade dos outros; quem aguenta vê, quem não aguenta...
E como filme bem, Steve Mcqueen. com toda a calma do mundo, sem preocupação com o passar dos segundos, dos minutos. Porque todas as suas imagens contam uma história; todas têm um significado, não são decorativas. E esse minimalismo, essa poupança de energia, reflecte-se na escassez de um texto desnecessário, na contenção dos actores, brilhantes, na intensidade dos olhares e na música, quase ausente, mas afinal tão importante.
E depois há o tal Michael Fassbender, de quem toda a gente falou durante meses, e que nos deixa ver quem foi Bobby Sands, como viveu e como morreu. E é assombroso. Verdadeiramente arrepiante. A meter no bolso, com um punhado de frases, qualquer actor vivo ou morto no universo do cinema. É obrigatório estudar o seu desempenho, e tentar perceber o que é necessário fazer para se alcançar um desempenho assim. São coisas que nenhuma escola de teatro ensina.

O final de "Hunger" acaba por ser o último murro no externo que levamos ao fim de hora e meia de brutal pancada no corpo. É belíssimo, como não podia deixar de ser, e tão calmo que à primeira vista nem parece fazer parte do mesmo objecto. No entanto, lembramo-nos do que acabámos de ver e apercebemo-nos de que afinal, há um certa calma, uma harmonia, que são transversais a todo o filme. O seu final é só a conclusão lógica de tudo o que nos foi dado a testemunhar. Mas é um murro.

Já não me lembrava de ficar tão quebrado, tão desgastado, com um filme. E no entanto, apetece-me ir a a correr para casa para o ver outra vez.






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