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Bom Karma... ou não!

terça-feira, setembro 01, 2009

BASTARDAGEM



Bem...

A ver por onde é que começo isto...

Há 17 anos estive horas sentado no muro de uma bomba de gasolina, aqui para os lados de Vila Nova de Gaia, a discutir o que tinha acabado de ver no cinema - mais precisamente na extinto Auditório Nacional Carlos alberto, e no Fantasporto. O que tinha acabado de ver era um filme de um novo realizador americano e que tinha provocado uma enorme polémica nos EUA por causa da excessiva e anormalmente gráfica violência apresentada. O filme chamava-se "Reservoir Dogs" e o ralizador, claro, Quentin tarantino. Lembro-me perfeitamente de ver, pela primeira vez na vida, pessoas a abandonar a sala incomodadas com um filme que obviamente não era de terror.

Na altura, Quentin tarantino tinha 29 anos e havia escrito já o argumento do filme "True Romance", realizado por Tony Scott em 1993. Pelas duas amostras, era fácil perceber que Tarantino era um criador de cinema com cojones, com vontade de filmar histórias diferentes, de forma diferente e, acima de tudo, não ir em merdas e cagar completamente para o establishment. "Pulp Fiction" estragou isso tudo. Ou melhor, o sucesso e o reconhecimento obtidos com "Pulp Fiction" - nomeadamente a quantidade de Oscars para que foi nomeado - insuflaram a vaidade de Tarantino. Porque Tarantino é vaidoso e full of him self. Basta vê-lo nas entrevistas a falar dele próprio como se fosse o melhor realizador do mundo. E o pior é que tarantino acha mesmo que é o melhor realizador do mundo, o mais inventivo, o mais original, o mais radical e o mais cool. E engana-se redondamente.

É só a minha opinião, mas Tarantino é um realizador que fez uma obra-prima no seu primeiro filme, que conseguiu unir público e crítica em torno de uma segunda obra sem dúvida diferente do habitual e que a partir daí se espalhou ao comprido. "Jackie Brown" foi uma falhanço completo, "Kill Bill: Vol. 1" não é absolutamente nada sem o segundo capítulo e nem mesmo esse é grande espingarda e "Death Proof" parecia mesmo um filme realizado numa pausa entre dois filmes a sério, não um mau filme, mas uma espécie de ensaio, um teste.

O que nos leva a "Inglorious Basterds", o mais recente trabalho de Quentin Tarantino e desde logo com o carimbo de obra-prima suprema do realizador, isto meses antes sequer de ter sido estreado no festival de Cannes. A minha opinião acerca de "Inglorious Basterds" é que não é mais do que mais um veículo para a indisfarçada vaidade de Tarantino. Podia ser um grande filme, talvez até a sua obra-prima, mas não é.

A mania de homenagear estilos de cinema mais ou menos esquecidos continua a afectar o cinema de tarantino, mais do que a influenciá-lo. Ou seja, os tiques que o realizador mete à força nos filmes que faz são desiquilibrados, atabalhoados, e acabam por tornar cada nova obra sua num objecto híbrido, sem género definido - o que até podia ser bom - e perfeitamente irritante. É assim, "Inglorious Basterds". Porque tão rapidamente é um Spaghetti Western como logo a seguir é um filme de guerra do mais clássico que pode haver. Porque tem uma gestão de tempo manifestamente deficiente. Porque tem uma atenção desiquilibrada a diferentes personagens nucleares. Porque tem, pela primeira vez, na carreira de Tarantino, uma péssima banda sonora, capaz mesmo de destruir ambientes e sequências que de outra forma seriam notáveis.

"Inglorious Basterds" tem algumas coisas realmente muito boas. Tem dois actores que roubam o filme só para eles - Mélanie Laurent e Christoph Waltz - e de tal forma que passamos a maior parte do tempo à espera que voltem a aparecer em cena. Tem algumas sequências, de acção mas não só, verdadeiramente antológicas, e tem um argumento bastante sólido e original. Mas tem muito mais coisas negativas. Desde logo uma débil gestão desse tal argumento. Tarantino parece não saber bem o que fazer à história de duas conspirações com o objectivo de assassinar Hitler e os seus principais comandantes e opta pelo mais fácil: esquecer todas as regras do cinema convencional e contar a história aos tropeções. Longos tropeções, diga-se.

Para além disso não se percebe o título "Inglorious Basterds" num filme que fala de tudo menos dos Inglorious Basterds. Ou melhor, fala, mas por tão poucos minutos e com tão pouca importância que mais valia que nem lá estivessem. Ao fazê-lo, Tarantino queimou também uma das melhores personagens e que merecia um cuidado e atenção especiais. O Tenente Aldo Raine de Brad Pitt é uma daquelas personagens absolutamente deliciosas, saída directamente de uma banda desenhada de bolso que faziam as maravilhas da pequenada da minha geração. Feitas as contas, Pitt e Raine ocupam quinze ou vinte minutos de película qua ndo deviam ser um dos pilares da história que nos é contada.

Aliás, todos os Basterds de tarantino parecem sofrer do mesmo mal. Todos são perfeitamente deitados fora, seja pela sua escassa participação no filme, seja pelos nulos actores que lhes dão corpo. no primeiro caso, posso dizer que é uma pena ver actores como Michael Fassbender e Til Schweiger serem desperdiçados de uma forma tão despreocupada. No segundo, que a soma das falas de todos os restantes não chegam à média de qualquer actor secundário de qualquer outro filme.

Quentin Tarantino gosta de uma boa conversa, já se tinha percebido isso. Aliás, as boas conversas são a imagem de marca mais famosa e reconhecida do realizador. Mas Tarantino parecia ter a noção de que uma boa conversa só é realmente boa se tiver um sentido, um objectivo, um bom desfecho. Em "Inglorious Basterds" Tarantino esqueceu-se disso, e gasta longos, longuíssimos, minutos de filme em conversas - boas, é certo - que não acrescentam nada, ou quase nada, ao filme. Estão lá só para satisfazer o capricho de um realizador que parece criar filmes para ver em casa enquanto come pipocas.

A minha opinião - e mais uma vez, é só a minha opinião - é que a história de "Inglorious Basterds" merecia uma realização convencional. Clássica, até. A riqueza do argumento escrito por Tarantino dispensava bem os truques e tiques do realizador. No dia em que souber fazer isso, Quentin Tarantino poderá facilmente assinar a sua obra-prima e calar-me de uma vez por todas.

Não sou mais específico em relação a tudo isto - o que gostei e o que não gostei - para não estragar a surpresa dos que ainda não viram o filme. Posso adiantar isto, no entanto: tenham especial atenção aos dois actores que destaquei. São notáveis e têm desempenhos deliciosos, a roçar a perfeição. E já agora, em relação ao Hitler: já que Tarantino decide fazer com o Führer o que toda a gente sempre quis fazer, porque não fazê-lo de um modo mais... rico?

Ah, e não se fiem no trailer...

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1 Comments:

  • At 02:46, Blogger hg said…

    Agora fiquei curioso. Continuo reticente, mas mais curioso. E concordo praticamente com tudo o que dizes.

     

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