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Bom Karma... ou não!

terça-feira, agosto 25, 2009

"FAZER A COISA ERRADA PELAS RAZÕES CERTAS"



Devo admitir que pode soar a exagero ouvir alguém dizer "o livro que mudou a minha vida" ou qualquer outra coisa que "mudou a minha vida". É um cliché, sem dúvida, mas como já aqui expliquei uma vez, os clichés são clichés porque se referem a coisas que acontecem mesmo e com bastante frequência.

Acabo de ler o livro que não mudou a minha vida mas que serviu para mudar muita coisa na minha vida. Um livro que andava lá por casa há mais de um ano, que me tinha sido profundamente aconselhado por um amigo cuja opinião valorizo e a que ainda não tinha dado a devida atenção. A necessedidade de levar um livro para ler nas férias e a incapacidade de encontrar um que quisesse mesmo comprar fizeram-me finalmente pegar no bloco maciço de mais de 800 páginas chamado "Shantaram".

O romance best-seller escrito por Gregory David Roberts, e que é um caso sério de sucesso à escala global, é um perigoso vício do qual não nos conseguimos libertar facilmente. Misto de história real do próprio autor - embora me tenha passado diversas vezes pela cabeça que tal história nunca poderia ter acontecido a um só homem - com a invenção/criação das personagens, "Shantaram" conta o período em que Roberts, depois de ter fugido de um prisão de máxima segurança na Austrália, viveu em Bombaim. De mero turista misterioso, a médico improvisado de um dos maiores bairros de lata da cidade, a habitante provisório de uma aldeia remota, passando pelos quatro meses vividos numa cadeia indiana, pela recaída no vício da heroína, pela participação na guerra do Afeganistão contra os soviéticos, pelos anos de contrabando de tudo e mais alguma coisa (à excepção de droga e mulheres). "Shantaram" conta-nos isso tudo, presenteando-nos com personagens tão boas e tão bem descritas que foi uma desilusão saber que afinal tinham sido inventadas - embora acredite mais facilmente que o autor se limitou a alterar os seus nomes.

O livro é um tratado histórico, cultural e sociológico do grande país que é a Índia e da magnífica metrópole que deve ser Bombaim. As descrições de Roberts, nomeadamente dos locais, das comidas e das roupas, chegam a ser cansativas de tão detalhadas, e o autor por vezes não consegue evitar a queda em terrenos piegas. No entanto, uma segunda leitura de algumas passagens faz-nos entender porque é assim a sua escrita. É assim que os indianos vivem a sua vida; é dessa forma que vêm o que se passa ao seu redor e é essa a sua sensibilidade.

"Shantaram" anda há quatro anos a ser adaptado para se tornar o guião de um filme protagonizado por Johnny Depp. Ao fim dos primeiro três ou quatro capítulos a idéia parece óptima e agrada, e é fácil imaginar tudo aquilo que estamos a ler, todas aquelas personagens, no grande ecrã de um cinema. É até fácil escolher o realizador para pegar num história assim tão rica. Um Spielberg, um Mel Gibson ou até Joe Wright, o realizador de "Atonement", por exemplo. A meio do livro já não há como amaldiçoar o dia em que Depp leu "Shantaram" e decidiu que queria fazer daquilo um filme. Porque é ainda mais fácil perceber que nenhum realizador no mundo consegue fazer um único filme de tudo aquilo, de toda aquela informação, sem retalhar, mutilar e esquartejar. Não tenho dúvidas, o filme vai mesmo ser uma realidade. O autor não só já vendeu os direitos como está ele mesmo a tratar da adaptação da história. É pena. Para além disso, e pelas razões óbvias e pelas menos óbvias e que só são compreendidas por quem ler o livro, Johnny Depp é desde já um dos piores erros de casting da história.

Seja como for, é um dos melhores livros que já li. Não pela forma como foi escrito, mas pela história que nos conta. E mudou muita coisa na minha vida. Definitivamente. Mas isso é cá comigo.