kar(ma)toon

Bom Karma... ou não!

quinta-feira, agosto 27, 2009



O problema da Pixar sempre foi e sempre será a maioria do público estar à espera de que o novo filme seja tecnicamente mais evoluido do que o anterior. Se o traço está melhor, se o movimento está mais próximo da perfeição, se tudo é ainda mais realista. Esse público perde o sentido ao que realmente é importante na Pixar e que a distingue - coloca a anos-luz de distância - da concorrência: as histórias que conta.

Já não importa saber se o estúdio de Brad Bird, John Lasseter e outros consegue reproduzir na perfeição pêlos, cabelos, penas e texturas diversas, de tecidos a madeira, de pedra a papel. O que importa cada vez mais seguir, é a vontade de correr o risco de investir em argumentos cada vez mais adultos. Isto sem afastar os seus filmes do público infantil - a Pixar consegue de uma forma extraordinária agarrar público adulto e respectiva prole - e sem perder a magia e o ritmo, dois ingredientes que são a imagem de marca dos estúdios desde a sua primeira curta-metragem.

"Up" é o melhor filme da Pixar de sempre. E digo isto com o peso da responsabilidade de quem considerou "Wall-E" um dos melhores filmes de sempre da história do cinema. Digo isto com a mágoa de quem está a desiludir um velho amigo. Mas é a verdade. "Up" é o filme mais completo da (mais ou menos) curta história da empresa que já assinou o seu nome na longa história do cinema. Tecnicamente é irrepreensível e não há nada mais a dizer. É ao nível do argumento que a coisa dá definitivamente o salto que a Pixar vinha ensaiando nos seus últimos filmes, nomeadamente em "Ratatouille" e "Wall-E".

"Up" é um filme de animação, sem dúvida. Mas o que se pode dizer de um filme de animação que aos fim dos primeiros cinco minutos já nos deu um potente murro no estômago acompanhado de fortíssimo nó na garganta e respectiva lágrima no canto do olho? Que reacção se pode ter quando se é apanhado assim, completamente desprevenido? Já sabíamos que os criativos da Pixar tinham uma sensibilidade ímpar quando comparados (mais uma vez) com a concorrência. Quase todos os seus filmes transportam um lado mais sério e adulto, uma dor ou uma tragédia, mais ou menos pequena, e que a dada altura nos faz engolir em seco e pensar seriamente nas coisas da vida. "Wall-E" levou isso ainda mais longe e foi o primeiro passo em direcção ao que poderá ser um dia o primeiro drama da Pixar, sem piadinhas, sem humor e sem a ocasional risadinha para aliviar a tensão.

"Up" é um dos mais belos filmes de animação que já vi. Grande parte dessa beleza, e que se traduz em algumas das mais belas imagens animadas que já vi, resulta da força da história de um homem, viúvo mas ainda apaixonado pela sua mulher, uma casa que voa içada por milhares de balões e por uma criança à procura do amor do pai sem se ter apercebido ainda que não o tinha. As imagens da casa acima das núvens ou, mais tarde, do velho a puxar a mesma casa por uma mangueira são incríveis e de uma beleza absurda - beleza plástica mas obviamente não só.

O filme é também uma referência disfarçada (mas não muito) a clássicos incontornáveis como "A Ilha do Dr. Moreau", "O Planeta dos Macacos" e, o mais evidente, "O Feiticeiro de Oz". E é absolutamente magnífico, sem falhas, sem um erro que seja, sem ser pretensioso - aliás como todos os filmes que lhe precederam - e que nos conquista ao primeiro segundo. É um filme em que cada fotograma é uma obra-prima. É uma obra-prima como quase todos os filmes da Pixar o foram. Uma das bandas sonoras mais bonitas de que tenho memória. Interpretações por parte dos actores que dão voz às personagens principais, efeitos sonoros e respectiva edição do mais alto nível e uma realização prodigiosa e que não perde nunca o pulso a tudo o que se passa. E tudo isto me leva mais uma vez à questão em que muita gente em Hollywood já deve pensar: quando começam estes filmes a ter a oportunidade de concorrer com os outros em diversas categorias? Éste argumento merece um Oscar. Esta banda sonora merece um Oscar. Este filme merece acima de tudo Um Oscar. O de melhor filme do ano.







Etiquetas: