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Bom Karma... ou não!

terça-feira, junho 30, 2009

SESSÃO CASEIRINHA


Um homem tem de se entreter nas poucas horas que tem de intervalo entre estudo e mais estudo. O que é que faz? Vê pirataria. De todos os filmes que vi nos últimos dias em casa, dois merecem destaque, por razões diferentes.

O primeiro, "Austrália", de Baz Luhrman, não me cativou o suficiente para o ir ver ao cinema e na altura pensei que poderia estar a fazer mal. Pensava que um filme com aquele aspecto grandioso mereceia ser visto num ecrã de cinema. Enganei-me. "Australia" é a tentativa de recriar os clássicos pesadões de Hollywwod; clássicos como "E Tudo o Vento Levou", uma clara e constante referência neste trabalho de Luhrman. De tal forma que mais um bocadinho de influência e a coisa seria um remake disfarçado do magnífico filme de Victor Fleming.

O problema é que há coisas que têm um tempo e uma lógica irrepetíveis, e Baz Luhrman, por muito barroco que seja, não é Fleming; Hugh Jackman não é de maneira alguma Clark Gable nem Nicole Kidman é Vivian Leigh. Há coisas que não se mimetizam, paciência. E a dupla até tem química, verdade seja dita. E o filme tem imagens belíssimas que não resultam somente das paisagens absurdas da ilha-continente. E a banda sonora é bastante boa. Mas o argumento é demasiado pequenino para quase três horas de filme. E algumas opções técnicas são demasiado artesanais e evidentes numa altura em que já se consegue o impossível em efeitos especiais digitais. E tudo se arrasta pesadamente na primeira hora de filme e a realização de Luhrman - sempre com um pé na comédia ridícula e exagerada - deixa muito a desejar. E...

O filme não é mau, longe disso, mas não é suficientemente bom para o que se pretendia de um clássico à moda antiga. Tem uma pérola rara, porém. Um detalhe apenas mas que carrega o filme às costas mesmo até ao plano final. Os olhos de uma criança. Um aborígene, filho de um branco; um «creamie» que não é branco nem preto, que não pertence a lugar algum e que devia ser assumidamente o centro de toda a história. Um miúdo que bate em expressividade qualquer um dos experientes actores do elenco com que contracena. É importante porque ajuda também a contar a história de um povo que até 1973 ficava legalmente sem as suas crianças, levadas à força para instituições católicas para serem «educadas». As lost generation. O miúdo Brandon Walters é o dínamo de todas as emoções no filme, e a relação espiritual - dir-se-ia fantasmagórica - que tem com o avô, à espera para o levar na sua longa caminhada até à idade adulta, é o mais interessante em todo o filme e damos por nós a pensar quando vamos voltar a essa história. Quando vamos voltar a ver o miúdo aborígene.

Australia podia ser o regresso àquele cinema que já não se faz. Que Spielberg já não faz, por exemplo. Tem todos os ingredientes, mas mal aproveitados, e falhou o propósito de ser um clássico. Não o é por causa do realizador, nitidamente deslumbrado com o que tinha em mãos. Borrou a pintura. Não muito, mas borrou.






Já "Appaloosa", realizado pelo conhecido Ed Harris - segunda vez atrás das câmaras, depois de Pollock " - é uma obra magnífica e totalmente despretensiosa. É um clássico, este sim, como todos os ingredientes de um clássico do género, bem utilizados, na medida certa e com um toque de classe difícil de encontrar estes dias. É um western. À moda antiga. Dos que fazem salivar os fãs.

"Appaloosa" é um filme calmo, pausado, com um ritmo e uma cadência suaves e muito bem filmado. Ao ritmo da narrativa. Tem dois personagens maravilhosos, desempenhados por Ed Harris e Viggo Mortensen. Juntos, formam uma dupla de mercenários que andam de vila em vila no farwest para manter a justiça e castigar os vilões. São Marshall e deputy a soldo e são muito bons no que fazem e que já fazem há muitos anos. Um elemento totalmente estranho à vida que tinham em conjunto surge e as coisas começas a mudar, de uma forma boa, mas a mudar. E entretanto há os tais vilôes com que têm de lidar.

O filme não podia ser mais simples e fiel aos standards do westerns, só que Ed Harris decidiu impregná-lo de um estilo irresistível. O filme tem pinta. Os personagens têm muita pinta, e o argumento tem um sentido de humor ingénuo que cai no filme que nem ginjas. E tem uma banda sonora absurda de boa e totalmente inesperada num western. E merece ser visto e revisto porque sabe mesmo bem ver uma «coboiada» que podia muito bem ter Gary Cooper, John Wayne, Montgomery Clift, Dean Martin ou qualquer um dos monstros sagrados que deram respeito ao género. Harris, Mortensen, Jeremy Irons e Renée Zellweger fazem o mesmo e dignificam uma obra a que não se pode apontar nada.

"Appaloosa" é belíssimo e a prova por comparação directa que não são precisos milhões incontáveis, uma máquina de produção gigantesca e vaidade para se alcançar o estatuto de clássico. Basta saber muito bem o que se pretende. Ed Harris - 5, Baz Luhrman - 0.




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