kar(ma)toon

Bom Karma... ou não!

sábado, abril 25, 2009

EL DOCTOR



Me recuerdo en esta hora de muchas cosas, de cuando te conocí en casa de María Antonia, de cuando me propusiste venir, de toda la tensión de los preparativos.
Un día pasaron preguntando a quién se debía avisar en caso de muerte y la posibilidad real del hecho nos golpeó a todos. Después supimos que era cierto, que en una revolución se triunfa o se muere (si es verdadera). Muchos compañeros quedaron a lo largo del camino hacia la victoria.
Hoy todo tiene un tono menos dramático porque somos más maduros, pero el hecho se repite. Siento que he cumplido la parte de mi deber que me ataba a la Revolución cubana en su territorio y me despido de ti, de los compañeros, de tu pueblo que ya es mío.
Hago formal renuncia de mis cargos en la Direccón del Partido, de mi puesto de Ministro, de mi grado de Comandante, de mi condición de cubano. Nada legal me ata a Cuba, sólo lazos de otra clase que no se pueden romper como los nombramientos.
Haciendo un recuento de mi vida pasada creo haber trabajado con suficiente honradez y dedicación para consolidar el triunfo revolucionario. Mi única falta de alguna gravedad es no haber confiado más en ti desde los primeros momentos de la Sierra Maestra y no haber comprendido con suficiente celeridad tus cualidades de conductor y de revolucionario.
He vivido días magníficos y sentí a tu lado el orgullo de pertenecer a nuestro pueblo en los días luminosos y tristes de la Crisis del Caribe.
Pocas veces brilló más alto un estadista que en esos días, me enorgullezco también de haberte seguido sin vacilaciones, identificado con tu manera de pensar y de ver y apreciar los peligros y los principios.
Otras tierras del mundo reclaman el concurso de mis modestos esfuerzos. Yo puedo hacer lo que te está negado por tu responsabilidad al frente de Cuba y llegó la hora de separarnos.
Sépase que lo hago con una mezcla de alegría y dolor, aquí dejo lo más puro de mis esperanzas de constructor y lo más querido entre mis seres queridos... y dejo un pueblo que me admitió como un hijo; eso lacera una parte de mi espíritu. En los nuevos campos de batalla llevaré la fe que me inculcaste, el espíritu revolucionario de mi pueblo, la sensación de cumplir con el más sagrado de los deberes; luchar contra el imperialismo dondequiera que esté; esto reconforta y cura con creces cualquier desgarradura.
Digo una vez más que libero a Cuba de cualquier responsabilidad, salvo la que emane de su ejemplo. Que si me llega la hora definitiva bajo otros cielos, mi último pensamiento será para este pueblo y especialmente para ti. Que te doy las gracias por tus enseñanzas y tu ejemplo al que trataré de ser fiel hasta las últimas consecuencias de mis actos. Que he estado identificado siempre con la política exterior de nuestra Revolución y lo sigo estando. Que en dondequiera que me pare sentiré la responsabilidad de ser revolucionario cubano, y como tal actuaré. Que no dejo a mis hijos y mi mujer nada material y no me apena: me alegra que así sea. Que no pido nada para ellos pues el Estado les dará lo suficiente para vivir y educarse.
Tendría muchas cosas que decirte a ti y a nuestro pueblo, pero siento que son innecesarias, las palabras no pueden expresar lo que yo quisiera, y no vale la pena emborronar cuartillas.

Hasta la victoria siempre, ¡Patria o Muerte!
Te abraza con todo fervor revolucionario,

Che


Esta carta de despedida que Ernesto "Che" Guevara escreveu a Fidel Castro em 1965, resume na perfeição o primeiro filme do díptico assinado por Steven Soderbergh, e que fui ver hoje, por acaso dia em que celebramos a nossa própria revolução.

É irónico: o filme que definitivamente humaniza um dos maiores ícones da história da humanidade, contribui decisivamente para, de uma vez por todas, explicar detalhadamente porque é, de facto, Che um símbolo incontornável.

Tinha planeado ver as duas partes do mesmo filme em sessões seguidas - o título em português, "Che - O Argentino", contradiz o objecto uno e indivisível que Steven Soderbergh partiu, forçado pelas pressões comerciais. Fazia sentido, pensei. No entanto, depois de ter visto "Che - Part One: The Argentinian", percebi que apesar da divisão não ter sido pensada na produção, apeteceu-me falar já desta obra absolutamente obrigatória. Porque é um filme brilhante, e porque representa um documento histórico importantíssimo, não só para as gerações que já conheciam a figura de Che Guevara, como também para aquelas que apenas conhecem as t-shirts, os posters e as boinas vendidas nas bancas do "Avante".

Enquanto filme, o trabalho de Steven Soderbergh é, na minha opinião, intocável. O realizador quis fazer um filme que respira livremente, sem pressas em contar uma história; um filme liberto das pressões da indústria. Nesse sentido pode-se dizer que as duas partes que compõem "Che..." são fruto de um trabalho de coragem. Coragem em assumir um estilo nada consentâneo com a toda poderosa Hollywood e coragem em fazê-lo em espanhol. O trailer engana o espectador, no entanto, fazendo querer que o que se vai assistir é a um filme de acção, de guerra. Nada podia estar mais errado, e é preciso perceber que os trailers têm precisamente essa função: enganar o espectador e cumprir com as pesadas obrigações mercantilistas do cinema.

"Che - Part One" é um filme belíssimo, de uma tristeza que ao início não se percebe muito bem porque se faz sentir, mas que se sabe estar permanentemente ligada à figura de Che/Benício Del Toro. Os primeiros 15 minutos de filme, brilhantemente editados, e que são basicamente a apresentação de Che, de quem é aquele homem e o que o move, chegam a ser comoventes. A maior parte das imagens desta sequência inicial, chamemos-lhe assim, são na sua maioria acompanhadas pela voz off de Benício. As restantes quase não contêm diálogos, e ainda assim é fácil perceber que o que move Che na luta pela libertação de um país que não é o seu é uma vontade pura e sincera de fazer valer o valor em que mais acreditava: o homem.

O decorrer do filme deixa-nos entender finalmente o que é aquela tristeza que sentimos. Che era um homem solitário, que não se enquadrava exactamente nem nos seus colegas de guerrilha, nem naquele tempo. De certa maneira - mais até do que Fidel Castro - Che era o único a acreditar de uma forma consciente e muito bem ponderada naquela revolução. Mais, Che acreditava no valor da «revolução», fosse ela em Cuba, na Venezuela ou na Bolívia. Foi um visionário político-social como poucos, muitos anos à frente de todos os estadistas que enchiam os assentos da ONU que o ouviram falar acerca do imperialismo norte-americano em 1964. O filme honra a personalidade de Che Guevara, e faz um excelente trabalho de enquadramento histórico, social e humano desta personalidade na tão propalada revolução cubana.

E é essa uma das principais características de Che - Part One...", a forma como eleva a honra e o valor de se ser humano. As personagens (as pessoas) que acompanham Che pelas florestas de cuba, e que lutam ao seu lado pela libertação do povo cubano, são humanas, verdadeiramente de carne e osso. Nunca em altura alguma do filme as sentimos como meros utensílios plásticos ao serviço de um realizador. Excelente, portanto, o trabalho dos actores. Benício Del Toro É o Che, e não vale a pena dizer mais nada. Vale, isso sim, falar do batalhão de secundários, magníficos, todos eles (ou quase). Acima de tudo merecem ser destacados os desempenhos de Demián Bichir, como Fidel Castro, e de Santiago Cabrera, no papel de Camilo Cienfuegos, dois dos responsáveis máximos pelo sucesso da revolução e que, no ecrã, adquirem (meritoriamente, claro) um brilho e um destaque muito especiais. O único actor que passa ao lado de um grande filme, quase como se estivesse distraído, é o brasileiro Rodrigo Santoro. O seu Raúl Castro roça a mediocridade, culpa de uma interpretação que soa a leitura do guião. Estranho e desenquadrado.

Nunca tinha percebido os motivos que tornaram Che neste gigantesco ícone da contracultura do século XX. Ou antes, eu sei o que fez dele uma personalidade tão maior do que a vida, maior do que a política e maior do que a revolução. Nunca percebi como é que ele tinha sido adoptado como símbolo por tantas gerações que provavelmente não sabiam um décimo dos seus feitos; que não conheciam os seus pensamentos e que não partilhavam sequer das suas crenças.
Pessoalmente já percebi porque é que sempre admirei este homem, mesmo sem saber um décimo da sua vida. Era um homem educado, simples, despretensioso, humilde e profundamente bom. Que não precisava de se meter no que de mais sujo e perigoso tem uma revolução militarizada para a fazer acontecer. Cometeu erros, claro, e o filme não tenta os tenta justificar e muito menos desculpá-lo. Mas como ele próprio admite, num processo destes é impossível não os cometer. Una guerra a muerte.

Como para Fidel Castro, Che Guevara escreveu uma última carta de despedida para os seus pais. A impossibilidade de a encontrar em espanhol impede-me de a publicar na íntegra, já que só encontrei páginas que disponibilizam este incrível documento em inglês ou brasileiro (vá-se lá perceber porquê). No entanto, não existe melhor fim para este post e, de igual forma, para um filme sobre a vida de Ernesto "Che" Guevara do que este:

Now a willpower that I have polished with an artist's delight will sustain some shaky legs and some weary lungs. I will do it. Give a thought once in awhile to this little soldier of fortune of the twentieth century.

A kiss to Celia, to Roberto, Juán Martín and Patotín, to Beatriz, to everybody. For you, a big hug from your obstinate and prodigal son,

Ernesto