Mesma história, final diferente...
Isolou-se do silêncio ensurdecedor dos pais.
Era tão pequenino, afundado no banco de trás do carro.
Afastou-se o mais que conseguiu do encosto, e aproximou-se da janela. Os seus olhos quase não chegavam à altura do vidro. Através das milhares de gotas de chuva, ali presas como que por magia, olhou o mundo lá fora. Era tudo tão mais bonito do que dentro daquele enorme carro. Tudo tão mais pacifico.
Viu as árvores, correndo em sentido contrário. As pessoas, estranhamente andando para trás. Os prédios, passando a uma velocidade inacreditável, para algo daquele tamanho.
Nada no mundo lá fora parecia conseguir ficar quieto. Tudo se mexia. Ao contrário do interior daquele gigantesco e silencioso carro.
E então viu-a.
A única pessoa que andava no mesmo sentido que ele. Pequenina como ele, os olhos quase não chegando à altura do vidro. De certo, em silêncio absoluto naquele tão enorme carro. Sozinha, como ele.
Admirou-a por alguns segundos. Apaixonou-se por ela. E rapidamente se apercebeu que a estava a perder. Corria mais veloz do que ele. Muito mais veloz do que ele.
Nunca se esqueceria dela. O amor mais forte que alguma vez sentiria na vida, através de milhares de gotas de chuva.
Deixou-se afundar no assento do negro carro.
Afastou os olhos do vidro e manteve-se isolado do silêncio dos pais. Triste.
Ao chegar à escola, desceu com dificuldade do odioso carro e, abrigado da chuva pela enorme mochila, correu em direcção ao enorme e pesado edificio.
Era tão pequenino. Achava sempre que as sua pernas pequeninas não seriam capazes de subir a gigantesca escadaria, feita de monstruosos e feios degraus de pedra.
Quando, a custo, chegou ao cimo daqueles degraus, viu uma mão branquinha e fininha segurando um bilhete encharcardo pela água da chuva.
Era ela!
Estava ali à espera dele e agitava-lhe o bilhete em silêncio como que dizendo "anda, pega lá nisto!!!".
Ele pegou, tendo todo o cuidado para não tocar no pulso dela.
Ela fugiu, envergonhada.
Ele perdeu a força nas pernas tão pequeninas.
Abriu o bilhete, que quase se desfazia nas suas mãos.
Leu-o sem respirar...
Meu fofinho,
um bom dia de aulas e muitos
miminhos entre as
gotas de chuva
I.
Num dos cantinhos do bilhete, I. tinha desenhado um pontilhado e escrito as palavras vale 1 beijinho.
Sem pensar segurou no bilhete com as duas mãos e apertou-o de encontro ao coração. Não ouviu a campainha anunciando o início das aulas. Não ouviu os passos apressados e encharcados dos atrasados do costume. Não se apercebeu do enorme silêncio que sempre se faz sentir assim que todos os alunos se fecham nas salas de aula.
Ela tinha-o visto, por entre milhares de gotas de chuva.
Ela tinha-o admirado e tinha-se apaixonado também.
E tinha corrido mais veloz do que ele para ter tempo de chegar à escola e escrever aquele bilhete para lhe entregar.
Por entre milhões de gotas de chuva.
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