ONDE É QUE TU ANDAS, MOÇO?
Estava eu a preparar-me para ir dormir quando, do nada, começa um filme na RTP. O defeito é meu e coisa antiga, o de ficar instantaneamente pregado ao ecrã da televisão. O filme era Zodiac, de David Fincher, e aos primeiros trinta segundos, a pergunta-título já andava às cacetadas na minha cabeça. Onde pára, afinal, David Fincher?
Onde está o realizador que, entre os 30 e os 37 anos, realizou Alien 3, Seven, The Game e Fight Club, marcando definitivamente a década de 90, e ao mesmo tempo o cinema de uma geração e uma geração de cinéfilos? Por onde anda o homem que deu ao cinema moderno um realismo tão insano que se tornou irreal?; que pegou em histórias que aparentemente mais ninguém queria?; que deu visibilidade a personagens geniais e a interpretações incomuns? Onde está este David Fincher?
Fight Club foi claramente o fechar de um ciclo na carreira do realizador. Panic Room, de 2002, era muito mais contido, mais normal, se preferirem. Ainda assim, com todos os tiques - bons tiques, diga-se - de um cineasta que tinha acabado de reinventar o thriller e de um filme que era, ao mesmo tempo, um novo, inqualificável e indefinível sub-género de cinema, e, muito por culpa do argumento de Chuck Palahniuk, uma obra sem travões, alucinada e alucinogénica e um retrato da geração que idolatrava Fincher. Fight CLub foi o fim de uma era.
Zodiac, de 2007, representa a maturidade profissional de David Fincher. Filme brilhante, seguro, construído de forma meticulosa e muito inteligente, onde o realizador encontrou a fórmula ideal para gerir tensões, para aguentar o suspense por curtos mas intensos momentos, e para, à base de pura conversa, nos manter colados à cadeira. É inquestionavelmente a obra da consolidação de um cineasta. Não é o seu melhor filme, mas é sim aquele que bastaria para, de uma vez por todas, alargar o espectro Fincher, e descolar o homem da imagem de realizador-freak.
Porém, e como todos os homens de meia-idade, o objectivo de David Fincher era só um: assentar. E Fincher assentou. Parou de fazer exercício, acomodou-se, começou a engordar e hoje em dia, realiza os seus filmes confortavelmente sentado no cómodo cadeirão da sala, pernas esticadas, bandeja com comida e bebida e comando da televisão mesmo ali à mão. Abdicou do cinema enérgico, com garra e nervo da década de noventa, para se dedicar ao cinema enjoativo e impróprio para diabéticos de Benjamin Button, e ao biopic convencional de The Network. Deixou de ser o enfant terrible de Hollywood, para passar a ser o menino de coro do sistema.
Ao fazê-lo, Fincher encostou ombros com os grandes da indústria e aproximou-se mais um bocadinho do Oscar. Mas, ao fazê-lo, comprou a sua alma ao diabo, para a revender a um qualquer santinho popular, chato, convencional e muito, muito quadrado. E é uma lástima.
As notícias do que andará Fincher a preparar também não são animadoras. O seu remake de The Girl With The Dragon Tattoo está quase terminado - e confirma que o homem está decididamente apostado no cinema comercial e ponto - e existem rumores de que poderá estar a preparar dois blockbusters: Cleopatra e 20,000 Leagues Under The Sea: Captain Nemo.
E apetece perguntar: afinal quem és tu, David Fincher?
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