kar(ma)toon

Bom Karma... ou não!

quarta-feira, junho 18, 2008

THE HAPPENING


Primeiro, “The Happening” tinha tudo para ser o melhor filme de M. Night Shyamalan. Não o é porque parece ter sido realizado a meias com outro realizadorzeco qualquer - e mais para a frente explicarei porquê.

Segundo, Shyamalan tem toda a razão quando diz ser um cineasta incompreendido. Incompreendido pela crítica – que não tem vontade nenhuma de o tentar entender – e pelo público, que, assomado por uma das mais perigosas preguiças mentais da história, continua agarrado à memória de “O Sexto Sentido” e do seu vertiginoso e arrepiante twist final.
Essa amnésia ignorante impediu a maioria do público de perceber o enormíssimo filme que era “Unbreakable”. A obra-prima de Shyamalan – obviamente, na minha opinião – não era mais do que a história de um super herói em (quase) nada diferente de um Homem Aranha, de um Super-Homem ou de um qualquer outro personagem saído das páginas das BD americanas. A única diferença residia no facto deste não o querer ser e dos problemas que obviamente essa condição lhe causava. “The Unbreakable” é um filme comovente, filmado com uma calma e uma elegância fora do normal e com interpretações esmagadoras de Bruce Willis – ainda melhor do que em “o Sexto Sentido” -, de Samuel L. Jackson e de Robin Wright Penn. O público não percebeu nada disto, a crítica preferiu o caminho mais fácil e já costumeiro da comparação directa com o filme anterior, e “O Protegido” ficou para a história não como o melhor filme de M. Night Shyamalan, mas sim como o seu mero segundo filme.

Essa mesma amnésia fez também com que o público não compreendesse – ou se recusasse a aceitar – que “Signs” era apenas e tão só um filme sobre uma invasão extraterrestre. Só isso, mais nada. Sem raios laser, sem naves espaciais, explosões ou heróis maiores do que a vida. “Signs” era a história de uma família, contada praticamente na sua totalidade por essa família, e que nos mostrava o dia-a-dia de um planeta em vias de ser invadido por seres de outro planeta. Mais nada. O público voltou a sentir-se traído pela falta desse tal twist final que fez de Shyamalan o realizador mais ansiosamente aguardado da Hollywood dos últimos dez anos, e esqueceu-se de perceber que o fim do filme trazia, não esse golpe de misericórdia, mas sim uma surpresa totalmente inesperada. Uma pérola de um argumento genial que, mais uma vez, nos é apresentado com toda a calma do mundo, num ambiente de falsa tranquilidade e que apesar disso – ou por isso mesmo – nos mantém agarrados ao ecrã mesmo até ao finzinho.

O mesmo haveria de suceder com “The Village”. Provavelmente o filme que, no que à crítica diz respeito, mais se haveria de aproximar da primeira obra de Shyamalan, “A Vila” é uma revisitação do conto do Lobo Mau, enquadrado por um clima de paz podre, quase hipnótica, mas que nos transmite logo desde o início a certeza de que algo ali não bate mesmo nada certo. O segredo de Shyamalan só nos é revelado próximo do final e, aqui sim, através de um dos twists mais violentamente inesperados da história do cinema moderno. Uma daquelas revelações capazes de nos fazer perder o ar e que nos dá invariavelmente um nó no cérebro. Uma imagem apenas e que chega para nos pôr a pensar por alguns segundos se não é aquele um erro de filmagem; um deslize, daqueles que escapam às equipas de gaffers.
O filme daria ao mundo Bryce Dallas Howard, magnífica descoberta, maravilhosa actriz que bem merecia o Óscar da Academia, para além de um trabalho memorável de um elenco de luxo - Joaquin Phoenix, Sigourney Weaver e William Hurt. Acusaram-no de ser morno, desinteressante e nada assustador ou surpreendente. Acho que estavam tão preocupados em encontrar uma coisa absolutamente irreal que, novamente, se esqueceram de ver que a realidade muitas das vezes pode ser mais fantasmagórica e terrível do que qualquer fantasia.

“Lady In The Water” foi o filme que ameaçou pôr um prematuro fim na carreira de M. Night Shyamalan. Assim, sem mais nem menos. Foi a sua obra mais odiada, incompreendida e, por fim, desprezada. Ninguém se deu ao trabalho de perceber o lindíssimo conto de fadas que Shyamalan nos estava a contar. Ninguém quis saber que o realizador tinha decidido de uma vez por todas assumir totalmente o método do seu mestre, Spielberg, e fazer um filme mágico, enternecedor, repleto de momentos de humor (por vezes nonsense) e, acima de tudo, de uma beleza tocante. Pela enésima vez, público e crítica estiveram-se marimbando para a excelência das interpretações – da repetente Bryce Howard e especialmente de Paul Giamatti -, para a qualidade da câmara de Shyamalan e (mais uma vez) para o magnífico clima de conto de fadas presente durante toda a história. Ninguém quis perceber que o filme era só um filme sobre uma sereia perdida no mundo dos homens em busca de salvação para o seu mundo – e para o dos homens também. Ninguém viu ou quis ver, e a carreira de Shyamalan ficou seriamente afectada.

De tal forma que vários foram os estúdios que recusaram “The Happening”. De tal forma que Shyamalan teve de procurar financiamento num refundido estúdio indiano.














E portanto lá temos um filme enigmaticamente intitulado "O Acontecimento" e que, como não é de admirar, é só um filme sobre isso mesmo, um acontecimento. Sem grandes surpresas finais ou twists, sem raios laser, sem monstros de outro planeta, feito de gente a sério, com um problema sério em mãos e sem saber como o resolver. O último trabalho de M. Night Shyamalan é violento, incómodo, doentio e insano, mas divide esse ambiente anormalmente pesado com um tipo de humor idiota que não assenta nada bem no tipo de filme que julgamos estar a ver. A coisa começa logo a abrir, sem grandes apresentações, sem sabermos muito bem ainda quem são de facto as personagens, como são ou o que andam a fazer. Muito simples: em pleno Central Park os transeuntes começam a evidenciar um comportamento estranho e pura e simplesmente a suicidarem-se. Das piores formas possíveis! E é nesta sequência inicial de uma brutalidade inigualável que se instala no espectador um desconforto insuportável. A forma fria e muito violenta como as pessoas se suicidam, e o facto de não termos a mínima ideia do que se está a passar, deixa-nos num estado de ansiedade do caraças. Rapidamente Shyamalan se encarrega de diluir tudo o que construiu e através precisamente dos sinais que nos vai dando e que normalmente não são assim tão evidentes. Aqui são. Não contente, o realizador acaba mesmo por encurtar a distância entre a suspeita e a certeza absoluta do que está a provocar aquele pesadelo, e o filme começa a perder interesse. A perder interesse e a ganhar o tal sentido de humor despropositado que, sinceramente me deixou irritado. E foi aqui que muito provavelmente entrou o tal outro realizadorzeco de que falei no início deste texto.

Os actores não têm um desempenho particularmente feliz, ou de realce, e tudo acaba por se tornar bastante insípido. Salvam-se algumas sequências que, pelo meio, nos vão mantendo suspensos numa trama que ainda não sabemos muito bem como vai terminar - nesse sentido, a sequência do jipe e a da velha senhora que acolhe o casal de protagonistas, são absolutamente arrepiantes e fenomenais. Mas o fim do filme é novamente uma pequena desilusão. Não pela falta dessa mítica reviravolta, mas porque é pura e simplesmente sensaborão. Naturalidade sim senhor, a gente aceita, mas assim tanta também é exagero.

Portanto, assim quase sem querer, Shyamalan assina o seu filme menos bem conseguido, e logo quando tinha tudo para mostrar aos descrentes o cineasta genial que é. E não falha no argumento do filme, simples mas intrigante e inteligente; não falha também na maneira como o filma, já que volta a fazê-lo de uma forma elegante e elaboradamente desenhada. Em "The Happening", Shyamalan falha precisamente naquilo que me parecia ser a sua maior virtude: a consistência de quem sabe contar uma história sem nunca perder o interesse de quem a ouve.

Ainda assim, prefiro um filme menos bem conseguido De M. Night Shyamalan do que um bom filme da maioria dos realizadores que por aí andam.

Alguém dizia há dias num jornal da nossa praça que os filmes de Shyamalan sabiam melhor a cada vez que eram revistos precisamente por já sabermos qual o seu segredo. Eu concordo, e por isso mesmo é que vou rever este último, quanto mais não seja pelos quinze minutos iniciais.

A história vai-se manter, portanto. Os fãs de Shyamalan poderão ficar um pouco desapontados com esta última obra mas não totalmente, enquanto que os críticos e grande parte da opinião pública vão atacar sem dó nem piedade o realizador e o seu trabalho.

No esquecimento ficam as inúmeras nomeações e prémios de todos os seus filmes, as imagens fortes e avassaladoras, a fotografia excelente, o trabalho de câmara brilhante, as magníficas bandas sonoras de James Newton Howard, as personagens memoráveis, os desempenhos fortes e em geral um estilo único de filmar e que só encontra paralelo - diferente, porém - em outro génio do cinema actual, David Fincher.

Assim, até fico ainda mais curioso (e receoso) em relação ao próximo filme de Shyamalan, ao que parece, algo de radicalmente diferente do que foi feito até aqui.

2 Comments:

  • At 00:36, Blogger pinguim louco said…

    Deixaste-me bastante triste. Ainda nao vi o The Happening e vi todos os outros filmes de Shyamalan e adorei todos sem excepção.Tava com grande espectativas tal como tu para este filme... Resta-me esperar por um proximo...

     
  • At 12:16, Anonymous Anónimo said…

    Não li nenhum comentário (parece-me mais correcto do que dizer "crítica") a este filme para além do teu, mas está muito bem exposto! Concordo com quase tudo o que dizes. Não me apetece escrever muito, por isso prefiro apanhar-te um dia no Piolho e falarmos sobre isto. ;)

     

Enviar um comentário

<< Home