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Bom Karma... ou não!

sexta-feira, março 14, 2008

NO COUNTRY FOR OLD MAN





O comentário que se segue é um chavão por si só. Tudo o que já se disse acerca de "No Country For Old Man" estava absolutamente correcto. Que é um western fabuloso. Que é provavelmente o melhor filme dos Coen - só ameaçado, na minha opinião pelo igualmente magistral "Miller's Crossing". Que tudo no filme é bom, sem direito a dúvidas. Que a interpretação de Javier Bardem é descomunal. A única coisa que não se disse - pelo menos não de forma clara - é que todas as restantes interpretações são descomunais. A de Tommy Lee Jones e a de Josh Brolin.

"No Country For Old Man" é, acima de tudo, um filme de uma tristeza pesada e incómoda, mas que só se deixa realmente perceber nos seus minutos finais. A tristeza da mudança difícil de engolir. A tristeza que a personagem de Tommy Lee Jones (o xerife Ed Tom Bell) carrega nos olhos, e que nasce do não compreender e não conseguir encaixar os tempos modernos; da sensação de se estar totalmente desenquadrado de uma nova e desagradável realidade; da frustração que sente por se saber incapaz de continuar a desempenhar a autoridade, não por incapacidade fisica ou intelectual, mas por não se saber como lidar com uma nova geração de violência.

O filme dos Coen tem muito pouco do seu estilo habitual. É um filme sem humor, sem piadas para aliviar a tensão, sem o habitual surrealismo nonsense que desde sempre marcou a carreira dos dois irmãos. É uma obra seca, árida e dura, como os homens daquele Texas, e como as paisagens de um país que decididamente já não é para velhos. Nesse sentido, é um filme abandonado a si próprio, ao mesmo tempo que é uma belíssima história. E somente isso, uma história.





E depois não há como fugir à figura omnipresente de Bardem. Ele não é só o mau da fita, ele é o mal da história. O mal personificado numa das personagens mais credivelmente assustadoras da história do cinema. Doentio, metódico, imparável e aterrador, o Anton Chigurh de Bardem é um espectáculo por si só. O cinema dos Coen sempre foi pródigo em criar personagens irreais e fascinantes. Em filmes como "Barton Fink", "Miller's Crossing", "Arizona Jr." e tantas outras obras suas, deram ao mundo da sétima arte uma verdaderia galeria de «cromos» memoráveis, ao mesmo tempo que proporcionavam aos seus actores uma atenção merecidamente redobrada. Anton Shirguh é, mais do que todos os seus antecessores, um objecto fílmico de que todos os realizadores e argumentistas devem sentir por esta altura uma enorme inveja.

Garanto-vos: "No Country For Old Man" ocuparia neste blog o espaço equivalente a mil posts, tal é a quantidade de informação que transmite. Não parece. O ritmo e a lentidão calma com que a história nos é contada, disfarçam a real dimensão da mensagem nele contida. Os poucos diálogos e o silêncio imenso que ocupa a maior parte da sua duração - silêncio que se faz sentir mesmo quando existem diálogos -, acabam por transmitir muito mais do que muitos filmes feitos de paleio. Nesse aspecto, todos os actores são, mais uma vez, irrepreensíveis.

O filme mereceu todos os Oscars que conquistou, disso não há dúvidas, mas havia um outro que merecia muito mais. Chama-se "Ratatui" e dele falarei no post seguinte.
Para resumir, "No Country For Old Man" é um filme feito daquele silêncio do deserto em que Llewelyn Moss encontra uma mala cheia de dinheiro, e que vai defenir o resto da sua vida. É o silêncio que acompanha Shigurh sempre que se aproxima do mesmo Moss - ou seja, é o silêncio da morte certa. Porque Moss não foge de Chigurh, foge da morte feita homem desajeitado e enganadoramente tosco.

O filme tem uma reviravolta súbita e que nos deixa durante alguns minutos um bocado à nora, tentando perceber se fomos enganados pelos Coen ou se de facto aconteceu o que mais se temia e adivinhava. Portanto, essa reviravolta não é por si só uma surpresa, a forma como ela nos é apresentada é que nos desarma por completo. Sem aviso prévio, do nada, os realizadores decidem «oficializar» o que o espectador estava sinceramente à espera que nao acontecesse. É nesse momento que nos damos conta de que não estávamos a ver um filme sobre um pobre desgraçado que encontra uma mala com dois milhões de dólares, mas sim sobre o mundo doentio e totalmente fodido que o xerife Bell não compreende. Um mundo que existe para lá do deserto onde ele cresceu. O deserto que Bell contempla da janela da casa de um amigo, uma das melhores sequências do filme e que mostra bem o que se deve sentir enquanto se olha para um passado que já não está lá.




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