kar(ma)toon

Bom Karma... ou não!

terça-feira, novembro 13, 2007

Ora bem, assumindo-me completamente desacreditado porque o episódio aconteceu comigo, deixem-me falar-vos de censura.
Ok, se calhar censura é demasiado forte para o que aconteceu. Chamemos-lhe... comportamento zeloso em defesa dos bons costumes. Sim, assim é melhor.
Já tinha falado deste assunto com o Carlos Moura e com o Raminhos, e de ambas as vezes em torno dos problemas que a televisão levanta ao uso de certas palavras - leiam-se «palavrões» - e a certos e determinados conteúdos.
Esperem, deixem-começar de outra forma: sempre defendi o fim rápido do stand up em Portugal. Ou melhor, sempre defendi que a sua sobrevivência nunca poderia estar dependente da sua divulgação televisiva, mas sim através de actuações em bares e outros espaços do género. Sabia-o por inúmeras razões, e agora tenho a certeza de que, para além dessas razões, existia mais uma que, essa sim, seria determinante para afastar a bela arte do stand up do grande público. E essa razão chama-se precisamente "comportamento zeloso em defesa dos bons costumes".
Não se pode falar de religião, ou pelo menos não se pode falar de um certo modo; não se pode dizer um sem número de asneiras ou outras palavras que, não sendo asneiras, poderão ferir susceptibilidades - como cocó e xixi (literalmente); e não se pode, de forma alguma, ultrapassar aquele registo chato, aborrecido e soporífero, de que os nossos comediantes já não se saberiam livrar, mesmo sem a ajuda da bem aventurada televisão. Ou seja, é aceitável que uma avozinha possa dizer ao netinho "que bonito, já faz cocó no potinho. Vá mostrar ao avô, vá!", mas é completamente impensável dizê-lo na televisão.
O que é que se conquista com atitudes destas? Que o público se comece a fartar severamente de comediantes de stand up que, impedidos de poderem fazer o seu melhor, têm de obedecer a regras de boa educação(?) que matam completamente o seu trabalho. Regras que não têm outra utilidade que não a de secar totalmente a energia indispensável para fazer um bom set.
Na altura em que o Raminhos foi a um certo programa do canal 2 fazer precisamente isso, um set desprovido de energia, comentei com ele a minha surpresa. Conhecia-o o suficiente para saber que era capaz de muito mais, e a sua aparente sonolência em palco deixou-me baralhado. Explicou-me que não tinha tido qualquer hipótese, que os tipos eram exigentes com o texto e com os temas abordados. Esta semana tive exactamente a mesma experiência.
Não me considero sequer comediante e muito menos comediante de stand up. Mesmo assim, respondendo a um desafio interessante, lá enviei um texto de stand up para a devida análise. E a resposta não foi surpreendente. Não cocó. Não xixi. Não piadas escatológicas. Sim piadas inocentes e educadinhas, boas para o natal dos hospitais.
Desisto? Não. Agora o desafio tornou-se ainda maior.

No entanto...
não há como comediantes de stand up e público de stand up como nos EUA. Anos, décadas de experiência fizeram com que aquela gente arrisque tudo e encaixe tudo com humor e desportivismo. O povo, claro, porque as instituições, essas, continuam a ser madrastas para quem pisa o risco.
Mesmo assim, na história da arte de fazer rir por conversa, vários foram os comediantes que fizeram carreira a pisar o risco. Com os dois pés. Bem calcado e pisoteado.

Comediantes como o enorme Lenny Bruce, detido várias vezes, acusado por obscenidade, tendo sido seguido, a partir de uma altura na sua carreira, pela polícia, sempre presente nos seus espectáculos.
Gente como George Carlin, que sem ser violento ou rude, fica na memória como um dos mais incovenientes.
Tipos como Dennis Leary, que ameaçava em cada espectáculo uma trombose, um ataque cardíaco, ou simplesmente um forte aneurisma, tal era a sua irritação descontrolada.
Homens como Andrew Dice Clay, o comediante mais profano, violento, desbocado, preconceituoso e desagradável de sempre. De tal forma que esteve durante largos anos banido de todos os canais de televisão, estações de rádio, jornais locais, e panfletos de publicidade dos EUA. Clay acabaria por se tornar, provavelmente, no primeiro comediante verdadeiramente proscrito da história da comédia.
A mim ninguém me convence do contrário: era (também) deste tipo de comédia que precisávamos para formar público em Portugal. Um público mais compreensivo, mais aberto e mais... bem humorado.


Lenny Bruce


George Carlin


Dennis Leary


Andrew Dice Clay

3 Comments:

  • At 09:45, Blogger Eduardo Ramos said…

    As minhas palmas para ti rapaz.

    Eu no stand-up sou uma autêntico puto, mas pretendo crescer. Devagarinho, sim.
    Todos esses nomes servem-me como referência, destacando o George Carlin que eu acho genial.
    Um dia escrevi uma coisa que não sendo nada foi o que eu achei que deveria ser o que se chama de comediante, depois de muita pesquisa. Fui bastante criticado, pois para além de de não ser stand-up é muito "forte".
    Pois.
    Diz-me tu de tua justiça.
    http://eduramos.blogspot.com/2007/01/o-que-se-pode-falar-em-stand-up.html

    ... caso te apeteça. ;)

     
  • At 10:34, Blogger Carlos said…

    Mister

    não te esqueças que, em termos cronológicos, ainda estamos a chegar aquilo que seria a "fase Lenny Bruce" da comédia stand-up.
    Acho que tb falarei sobre isso no meu blog.

    Abraços
    Moura

    ps:
    o animal está vivo.

     
  • At 14:14, Blogger Eduardo Ramos said…

    Carlos, vou dizer uma coisa tão estúpida que dá a volta ao ponto de ficar inteligente (acho).

    "Nós não estamos atrasados demais. Temos é atrasados a mais."

     

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