O seu corpo virou-se contra ele. Fez um motim. A única parte dele que funcionava ainda com alguma - relativa - noção da realidade, era a cabeça, sempre pensante. Digamos que... era como um colégio de freiras, em que a Madre Superiora sabe sempre muito bem como é bom brincar e fazer asneiras, mas mantém sempre aquele ar austero e responsável, enquanto todas as alunas se escondem no escuro da noite para lerem livros proibidos e ensaiar beijos desajeitados.
O seu corpo, por exemplo, não queria saber de mais nada a não ser do dela. Do toque da sua pele, da sensação do seu cabelo nele repousado.
A boca sonhava com a dela, pequenina, e pensava na próxima vez em que estariam juntas.
Até os seus orgãos internos se revoltaram e começavam a dar sinais evidentes de desconforto. O estômago revolvia-se em intermináveis cambalhotas sempre que não estava com ela e aceitava muito mal que se lhe tentasse dar algum alimento.
Os pulmões enchiam-se de ar, mesmo que tal não fosse preciso, sempre que a cabeça se esquecia de ser responsável e criava uma imagem dela. Uma imagem sempre real, palpável.
Os dedos perderam toda a sensibilidade a partir do dia em que tocaram as suas costas pela primeira vez. "Não tocamos em mais nada, nunca mais!!!" Tinham mau feitio, os seus dedos...
O coração... bem, esse, com a personalidade que tinha, era obviamente aquele que sentia mais a sua falta. O que chorava às escondidas debaixo do lençol à noite. E enquanto as outras partes do corpo observavam o àlbum com fotos dela, que tinham roubado da sua gaveta fazendo comentários e soltando risadas inofensivas, ele acendia a lanterna, e debaixo do tal lençol protector, olhava uma foto sua e chorava lágrimas de saudade pura. E pensava que sortudas eram as restantes partes do corpo por terem já experimentado as sensações com que sonhavam todos os dias, enquanto que ele...
No entanto, o coração era de longe o mais feliz. O seu consolo era fácil. Rapidamente se esquecia da dor assim que a via. Assim que ela se sentava ao colo do corpo; assim que beijava a boca, assim que se deixava tocar pelos dedos e que enchia os pulmões com mais ar do que eles deviam suportar.
Sempre que ela lhes dava o que eles pediam, o coração ficava contentinho e sonhava mais um bocadinho.
2 Comments:
At 16:23, Anónimo said…
perdeu um bocadinho...
H
At 23:16, Junta-te ao clube said…
Nem sei que dizer ou comentar... Mas é bom ver que finalmente levas o blog a sério... Bem-vindo|
Ass: Gattaca
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