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Bom Karma... ou não!

domingo, março 20, 2011

HIPOCRISIA


Hipocrisia
(grego hupokrisía, -as, desempenho de um papel)
s. f.
1. Fingimento de bondade de ideias ou de opiniões apreciáveis.
2. Devoção fingida.


Desta vez não houve antevisão mediática ou cobertura espectacular das acções militares levadas a cabo na Líbia por parte da coligação. A coisa começou quase sem se dar por isso, e vai continuar sem o efeito Hollywood que fez da guerra no Iraque um produto de entretenimento.

A comunidade internacional meteu-se na guerra civil do país de Khadafi e, aparentemente, com o beneplácito das mais diversas classes políticas e público em geral. Os opinion makers babam-se de prazer perante a possibilidade de assistirem na primeira fila à queda de Khadafi, e são muitos os políticos e populares que afirmam, sem vergonha ou pudor, sempre terem sido ferozmente antagónicos ao regime do ditador.

É curioso perceber esta reacção positiva a uma intervenção militar, no fundo, idêntica a tantas outras que foram violentamente condenadas pelos partidos de esquerda e que motivaram, inclusive, movimentos populares de protesto. E, no entanto, esta é mais uma acção com um interesse bastante claro e objectivo, disfarçado de preocupação pelo povo que sofre às mãos de um terrível e sanguinário ditador.

E sim, Khadafi é um ditador terrível e sanguinário, e que tem governado o país sem grandes contestações da mesma comunidade internacional agora tão arreliada com o povo líbio. A mesma comunidade internacional que, em virtude de necessitar do petróleo do ditador, se tem mantido à margem dos problemas sociais e das violações dos direitos humanos perpetradas naquela país do Norte de África.

Agora a situação mudou radicalmente, e o mesmo petróleo passa a ser o objecto de desejo irresistível que motiva esta invasão de uma nação soberana. Subitamente, a possibilidade de controlar o combustível que, até aqui, mantinha estes países reféns da ditadura de Khadafi, é boa de mais para se recusar.
O povo e os partidos de esquerda sempre foram céleres em condenar as acções militares dos EUA, mais concretamente, no Afeganistão e no Iraque. E com razão, diga-se. Os interesses dos americanos naqueles países eram bem conhecidas de todos, e o timing escolhido pelo governo de Bush para as invasões foi perfeito e, a princípio, bem justificado aos olhos do mundo. A falta de contestação massiva durou pouco tempo, e cedo se percebeu o que se estava realmente a passar. Não havia, claro, armas de destruição maciça no Iraque, e Osabama Bin Laden não estava nas montanhas do Afeganistão.

E a hipocrisia da ONU e destes países agora tão apostados em devolver a Líbia aos líbios - e em esquecer que na verdade sempre estiveram por detrás de um dos mais violentos ditadores da história de África - não é menor do que a dos que condenam hoje uma acção militar americana, para amanhã defenderem uma idêntica aprovada pela ONU.

O que se passa na Líbia é uma guerra civil. Um confronto em que justificadamente torcemos pelos mais fracos e menos preparados; por aqueles que têm sofrido às mãos de Khadafi, por nossa culpa, porque olhamos para o lado, com o nosso beneplácito. Torcemos por eles, mas não é nosso o direito de os invadirmos, seja qual for a razão.

Isto não é um Darfur ou um Ruanda, onde o massacre de inocentes foi verdadeiramente um genocídio sem paralelo e no qual a comunidade internacional e a ONU, mais concretamente, não quis, assumidamente, interferir. Por achar que o assunto não lhes dizia respeito. Por considerar ser uma questão interna dos países envolvidos. Porque não havia petróleo à mistura. Ponto. Esse encolher de ombros foi a pior forma de interferirem em assuntos, esses sim, que justificavam uma acção rápida, violenta e decisiva.

Khadafi deve deixar o poder e os líbios devem poder escolher o seu governo de uma forma livre e democrática. A comunidade internacional deve apoiar esta luta, mas não com uma invasão militar que resulta na destruição do país e, invariavelmente, na morte de inocentes. E não se esqueçam, a Líbia é um dos maiores produtores de petróleo do mundo. Sem esse petróleo, alguns dos países envolvidos nesta coligação param, pura e simplesmente. E essa é a verdadeira razão por detrás desta intervenção abnegada e tão preocupada.