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Bom Karma... ou não!

segunda-feira, maio 11, 2009

SESSÃO DUPLA CASEIRA



Mais uma vez, e graças às maravilhas da pirataria cibernética, pude ver, no fim-de-semana que passou, dois filmes que estiveram nas salas de cinema não vai há muito tempo.

O primeiro, realizado pelo mestre Sidney Lumet, tem o fabuloso título "Before The Devil Knows You're Dead", conta com um elenco de luxo, um argumento genial e uma montagem brlhante. Como sempre foi habitual na carreira de Lumet, tudo são ferramentas utilizadas na construção de uma trama elaborada e que por várias vezes nos dá a volta ao miolo. O cinema de Lumet sempre foi assim, rendilhado, bem trabalhado, mas simples, no fundo.
A história do filme resulta daquela velha máxima que diz que quando tudo pode correr mal, corre. A lei de Murphy na sua mais evidente fórmula, portanto. Dois irmãos, Philip Seymour Hoffman e Etahn Hawke, planeiam um assalto perfeito e terrivelmente simples à joalharia dos pais. Fácil e seguro. O problema é que os dois são tão incapazes, tão inexperientes nestas andanças, tão burros, até, que tudo o que podia acontecer de errado acontece mesmo e rapidamente o que parecia ser um trabalho para meninos se transforma num verdadeiro pesadelo. De certa forma, o conteúdo e a forma de "Before The Devil..." não andam muito longe de um certo universo já abordado pelos irmãos Coen - em filmes como "Raising Arizona", "Fargo" ou o mais recente "Burn After Reading" - e que dá especial atenção aos chico-espertos que querem ser mais do que realmente conseguem.
No fundo, o filme é uma comédia negra, embora tenha muito pouco de verdadeira comédia. É extremamente bem realizado, a montagem baralha a cronologia dos acontecimentos sem nunca baralhar o espectador, e os actores são, como sempre às mãos de Sidney Lumet, fantásticos. Os já referidos Hoffman e Hawke, mas também Marisa Tomei e o enorme Albert Finney. Vale bem a pena, mas também não é a obra-prima em que alguns críticos portugueses o quiseram tornar.







Antes de mais, gostava de deixar bem claro que acredito que um filme realizado a partir de uma qualquer obra literária, deve valer enquanto isso mesmo, um filme. Isto é, no momento de analisar ou criticar um filme, o espectador não deve ter em conta se o próprio é muito ou pouco fiel ao livro que o originou. Na banda desenhada a coisa é um bocadinho diferente, já que os livros aos quadradinhos são, por si só, um objecto gráfico, imagético e que deixa pouca liberdade criativa a quem desenvolve uma nova abordagem às suas histórias.
Isto para dizer que vi "Blindness", o filme que adaptou "Ensaio Sobre a Cegueira", de José Saramago, sem nunca ter lido o livro. Ou seja, a minha opinião acerca da obra de Fernando Meirelles resulta única e simplesmente do que vi no ecrã do computador. E o que vi é, no mínimo, estranho. O filme é, quanto mais não seja, estranho e desconfortável. Propositadamente, diga-se. As imagens são estranhas, as cores são estranhas, as personagens são estranhas e tudo se passa num local estranho e impossível de identificar. E à partida nada disto seria um problema, se não fosse o uso excessivo desta estranheza. Já se sabe, a história fala da condição frágil de se ser humano, e de como perante uma situação de crise rapidamente perdemos tudo o que nos referencia como tal e nos tornamos perfeitamente pré-históricos e menos organizados que qualquer outra espécie animal - temas recorrentes na cinematografia do realizador brasileiro. A minha questão é: era necessário tanta simbologia, tanta metáfora, tanta analogia para fazer passar a mensagem pretendida? Não. E é tanta a quantidade de imagens encriptadas que damos por nós a pensar "o que será que significa esta senhora a entrar no elevador do prédio onde sempre morou?". É demasiado. É desnecessariamente excessivo no que à informação diz respeito. Porque tudo o que poderia ser associado à cegueira em si e a um sem número de situações adjacentes está aqui bem representado. Do cego que em terra de cegos é rei, aos bandos de cães que, lá está, em tempos de crise parecem conseguir uma organização que falha aos humanos.
No entanto, é também notável que um filme sobre a cegueira - um certo tipo de cegueira - e que é na realidade um filme parcialmente invisual, seja capaz de produzir imagens fortíssimas e, em muitos casos, de uma beleza avassaladora. É invisual porque o realizador optou por uma fórmula mecânica de nos apresentar as personagens e a sua cegueira. Uma fórmula discutível, já que cheira a opção estética mais do que dramatúrgica, mas a verdade e que em alguma cenas resulta muito bem. Imagens fortíssimas e extremamente bonitas como na notável e inesquecível sequência em que um dos doentes - Danny Glover - liga o seu rádio de pilhas para todos os outros ouvirem música.
Ainda assim, o filme é sempre um objecto estranho, frio, quase clínico, e que por isso mesmo joga em território bastante perigoso, correndo constantemente o risco de se tornar num filme amado ou odiado. Pessoalmente esquivei-me à tentação de imediatamente o odiar; não consegui também amá-lo, embora lhe tenha dado a minha paciência e o meu tempo. Não é uma mau filme, lá isso não é. É estranho o suficiente para criar uma imagem muito própria, mas que o pode distanciar do público em geral.
Ah, e tem uma banda sonora absolutamente magnífica...