kar(ma)toon

Bom Karma... ou não!

domingo, abril 05, 2009

CASAMENTOS E FUNERAIS

A pergunta foi "gostas de pessoas?". Devia ter sido "(ainda) gostas de pessoas ?". A resposta na minha cabeça foi imediatamente "não", mas obriguei-me a pensar melhor e a lembrar-me de que os melhores momentos da minha vida foram e são ainda na companhia de pessoas. Mas já não tenho a paciência e o poder de encaixe que tinha para pessoas há poucos anos. As pessoas esgotaram-se, já não têm novidade, já não surpreendem por aí além, aborrecem, a maior parte das vezes.
Esta coisa da globalização criou aquilo que supostamente era para ter exterminado, ou seja, ilhas. A quantidade absurda de informação disponibilizada, e que é a principal razão para que toda a gente saiba tudo de toda a gente, acabou por tornar as pessoas magníficas operadoras de uma tecnologia que lhes providencia tudo em nanosegundos mas em péssimas gestoras da informação recolhida. As pessoas não sabem o que fazer a tanta coisa, tanta informação, tanto detalhe, e acabam por se dedicar ao que de mais fútil existe e, em última análise, a fecharem-se cada vez mais nas suas vidas e a não serem mais do que pequenas ilhotas, algumas cheias de coisas lá dentro. E, cumprindo com a tradição, a encontrarem-se somente nos casamentos e funerais.
Somos cada vez mais egoístas, cada vez menos preocupados - realmente preocupados - com o que se passa para lá do nosso perímetro. Não nos incomodamos assim tanto com quase nada e não nos preocupamos verdadeiramente com o que nos incomoda. Não ao ponto de fazermos algo que se note. Foi Jim Morrisson quem escreveu no seu poema "Angels And Sailors" we could plan a murder or start a religion e isso sempre me pareceu um convite - relaxado e de quem não tem nada melhor para fazer - para uma revolução.
Por isso mesmo, sempre que vejo imagens na televisão de revoluções nas ruas de um qualquer país - como no caso mais recente de Londres - sinto uma vontade, quase uma necessidade, de que algo assim aconteça no nosso cantinho à beira mar plantado, esmagado entre um mar grande de mais e uma Espanha que está literalmente num futuro que nós ainda não conseguimos vislumbrar. E nunca fizemos nada para sacudir esses dois pesos e tornarmo-nos mais leves, menos cinzentos e tão, mas tão amarrados.
No máximo da utopia, era bom que o mundo todo se juntasse numa total e única revolução urbana; que saísse para as ruas, que batesse em polícias, que raptasse políticos, que provocasse o caos e a destruição dias a fio até as coisas começarem a ser mais equilibradas.
Enquanto isso não acontece, os políticos em que insistentemente me querem fazer votar, enriquecem desmesuradamente, cometem crimes de todos os tipos e feitios, vivem alegremente na hipocrisia que nós lhes permitimos, reúnem-se em cimeiras que são organizadas no sentido de «melhorar» o mundo e posam para a fotografia de grupo com o maior e mais despreocupado sorriso possível. Se essa mesma fotografia de grupo demorar dois minutos para ser realizada, então nesse tempo, enquanto os líderes mundiais sorriem e mandam piadinhas infantis entre os dentes, terão morrido 600 pessoas de fome no mundo inteiro. Essa mesma cimeira, organizada para fazer do mundo um sítio melhor, custa alguns milhões de dólares por dia, e não cumpre o propósito a que se propõe.
É um mundo do avesso, de dentro para fora, e de cima para baixo, onde são as multinacionais mais poderosas a fazer uso da merda em que se encontra o mundo para venderem o seu produto que contribui para a merda em que o mundo está.



Á pergunta se gosto de pessoas, não tenho outra resposta: sim, gosto. Mas desiludem-me todos os dias como eu me desiludo e desiludo os outros. Não há volta a dar, somos pessoas. E as multinacionais usam essa preciosidade que é a condição de se ser pessoa, e juntam-lhe a consciência que alguns têm de que isto é mesmo uma merda retorcida mas maravilhosa, para venderem o seu produto.



Dois pontos de vista para acabar e que servem para resumir tanto palavreado inútil e que têm um ponto em comum. Em 1992, Ron Fricke - director de fotografia de "Koyaanisqatsi" - realizou um magnífico documento em forma de filme que retrata de forma incrível o mundo em que vivemos e as pessoas - como nós - que o povoamos. A música "Host Of Seraphim", dos Dead Can Dance, faz parte da banda sonora desse filme, e o seu vídeo oficial segue a mesma linha estética e denunciadora de uma realidade que na maior parte das vezes nos passa mesmo à frente do nariz sem ser vista ou percebida.