I'M NOT THERE
É estranho estar sentado à espera que comece um filme que é uma espécie (peculiar) de biopic de Bob Dylan - ou de certos momentos da sua vida -, e ouvir uma pessoa ao nosso lado dizer à sua companhia "Bob Dylan? Já ouvi falar dele". É estranho e sintomático do que se vai passar a seguir: uma debandada em massa da sala de cinema.
Por várias razões as pessoas que foram esta noite à antestreia de "I'm Not There" não deviam sequer ter lá estado. Primeiro porque obviamente não fazem idéia de quem é Todd Haynes, um realizador que é tudo menos convencional; que nunca escolhe temáticas fáceis para abordar ou fórmulas «normais» de o fazer. Segundo, porque não conhecem a carreira e a vida de um dos maiores cantautores da história da musica. Ou seja, como a coisa é de borla não têm a necessária paciência e o obrigatório poder de enquadramento para se manterem na sala até ao fim do filme e assistirem a uma obra que conquista imediatamente o cunho de «filme-culto» e que, goste-se ou não se goste, é interessante o suficiente para ser também um muito aconselhável objecto cinematográfico.
Para lá de toda a estranheza do filme de Haynes - que, fica mais uma vez o aviso, não segue de modo algum as regras a que estamos habituados -, existe uma realização fascinante, uma equipa de actores em absoluto estado de graça e todo um ambiente apaixonantemente envolvente. Isto tudo servido por um dos melhores songbooks de sempre, e que no fundo, no fundo, toda a gente conhece, mesmo que não o consiga associar ao seu verdadeiro autor.
É claro que ajuda ter algum conhecimento acerca da vida de Dylan; ajuda, porque nos permite compreender melhor algumas das opções do realizador, que, aos olhos de quem "já ouviu falar dele", facilmente as entende como meros artefactos estéticos. Mas não são. E bom exemplo disso é o quadro em que Richard Gere assume um dos alter-ego de Dylan; uma cidade em que tudo é simbólico dos elementos que sempre estiveram presentes nas letras e músicas de Bob Dylan, e que são, até hoje, a sua imagem de marca.
De resto pouco pode ser adiantado a "I'm Not There" em poucas linhas. É uma obra demasiado complexa e que contem em si demasiada informação. Tem Heath Ledger no quadro mais bonito e comovente de todo o filme - e que adquiriu obrigatoriamente todo um novo significado depois da sua morte, já que no filme Ledger acaba por fazer de si próprio, um actor rebelde e que transporta em si uma tragédia iminente; tem (novamente) um Richard Gere sem problemas em assumir a sua idade, e que em poucos minutos faz mais pelo renascimento da sua carreira do que todos os filmes em que participou nos últimos dez anos; e tem Cate Blanchett. E para Cate Blanchett não existem palavras. É ver o seu trabalho, disfrutar de tudo o que dele advém e mais nada.
Em suma, "I'm Not There" vai ser um fracasso comercial em Portugal. Provavelmente vai estar poucas semanas em cartaz, mas merece bem a visita, até porque é uma das muitas formas que existem para dar a conhecer ao nosso pouco informado público um cheirinho do que é realmente Bob Dylan. O problema nao é do filme em si, e da sua falta de «normalidade». O problema é a falta de educação cinematográfica que reina cá pelo burgo, e que nasce precisamente da falta de vontade das distribuidoras em arriscarem e escolherem outros filmes. Filmes que existem muito para lá dos habituais blockbusters americanos.
Etiquetas: Filmes Vistos
1 Comments:
At 11:26, Likas Meow said…
«...ouvir uma pessoa ao nosso lado dizer à sua companhia "Bob Dylan? Já ouvi falar dele".»
Tenho pena de ti =P Espero que não me aconteça o mesmo. Infelizmente ainda não tive oportunidade de o ir ver. E como tenho o Velvet Goldmine e o No Direction Home, parece-me obrigatório.
Beijinho,
Sara
Enviar um comentário
<< Home