kar(ma)toon

Bom Karma... ou não!

sábado, novembro 29, 2008

(Odeio quando tens razão, Carlos)
Ter gostado tanto de "Casino Royal", a primeira aventura de James Bond com Daniel Craig ao volante, justifica-se por inúmeras razões, todas elas de alguma relevância. Mudar de Bond sempre teve um efeito imediato na direcção da maior saga que o cinema já viu. Mesmo quando o realizador se mantinha à frente dos comandos - o que aconteceu precisamente com os primeiros Bond de Craig e de Pierce Brosnan - a mudança era sempre bastante notória, nomeadamente em pontos tão importantes quanto o próprio feitio de Bond, os novos perigos, novos inimigos e novas bondgirls.


"Casino Royal" representou sem dúvida alguma a mudança mais radical, polémica e, a bem da verdade, aquela que mais se aproximou dos livros de Ian Flemming, pai do agente secreto mais famoso da história. Os fãs da série espumaram de raiva quando o novo 007 foi conhecido. Craig era pouco british, pouco elegante, bruto em demasia e fisicamente mais próximo de um agente do KGB do que propriamente do MI5. Fizeram-se manifestações, petições, reclamações, tudo contra o actor inglês e a favor da manutenção de uma certa nostalgia, associada principalmente com Sean Connery e Roger Moore. No entanto, já há muitos anos que essa mística tinha desaparecido, numa primeira fase por culpa de Timothy Dalton - muito mais o género de Daniel Craig - e em seguida por culpa de Pierce Brosnan, que voltou a dar à personagem o ar sacana de Moore sem no entanto descurar o lado mais humano e dramático que viria a ser, como se sabe hoje, vital para a sobrevivência cinematográfica de Bond.


A carreira de "Casino Royal" provou que não só a escolha de Daniel Craig tinha sido mais do que acertada - muitos consideraram mesmo ser este o melhor Bond de sempre - como também que as novas aventuras do herói eram algo de novo, original e bastante mais interessante. A gestão clínica das cenas de acção, os longos e sempre intrigantes diálogos, as personagens mais ricas e humanas, e um vilão muito mais próximo da realidade do que qualquer outro tirano com intenções de destruir o mundo, afastar a lua da sua órbita ou fazer explodir uma central nuclear, fizeram de "Casino Royal" um filme de espiões como já não víamos há muito. Frio, calculista, bruto quando necessário, o novo Bond mostrou ao mundo que também sangrava; que também se via em alhadas, que também era torturado e, acima de tudo, que também amava e também tinha sede de vingança. Um homem,portanto. Um homem perigoso e bem treinado, não um super herói.
A última aventura de 007 começa desde logo por trazer uma novidade. Pela primeira vez na vida do agente secreto, um dos seus filmes é uma sequela de outro. Ou seja, "Quantum of Solace" é a segunda parte, a continuação do tal "Casino Royal". E perde precisamente por isso. Perde porque não consegue manter o nível do anterior em nenhum ponto. Enquanto "Casino Royal" era puro jogo de paciência; uma batalha silenciosa entre o gato e o rato, este "Quantum of Solace" é disparatada avalanche de acção, tiroteio, perseguições, explosões e outras peripécias imberbes e, diga-se desde já, inverosímeis. Portanto, o que temos é um realizador - Marc Forster, o mesmo realizador de
"Stranger Than Fiction" - que nunca se meteu nestas andanças dos filmes de acção, e que obviamente foi contratado para devolver a Bond aquilo que tinha deixado os nervos dos seus fãs mais irredutíveis em estado de sítio: pouca pancadaria e nenhuma canastrice do actor principal. Assim, o que temos neste mais recente filme é uma longa sequência de acção non-stop em ritmo red line, confusa de tão trepidante - a s cenas de batatada chegam mesmo a deixar-nos baralhados à procura de descobrir o que acabou de se passar - e sem qualquer tipo de argumento que valide o investimento. Mais, se em "Casino Royal" tinha aplaudido o vilão de serviço, atípico também, e a escolha corajosa do actor para lhe dar corpo - o excelente Mads Mikkelsen - a verdade é que o mauzão de "Quantum Solace" é um claríssimo erro de casting. Na tentativa de (pelo menos) manterem a mesma nova linhagem de perigosos inimigos de Bond - homens simples, banais, até, mas com uma violenta sede de poder - os produtores e realizador escolheram um fulaninho que não é mais do que isso mesmo, um fulaninho com ar de coitadinho, misto de Frodo Baggins e menino da mamã esbugalhado, que por muito que se esforce - e não se esforça muito - não consegue meter medo a ninguém. Chega a ser penoso ver Mathieu Amalric, um actor que pode muito bem ser respeitado em França e que deve ser um razoável profissional, mas que claramente caíu no universo de James Bond de paraquedas - como aparentemente tudo neste filme, aliás. Como se já não fosse suficiente, até a bondgirl é uma lástima. Muito bonita, é certo, mas que não é mais do que um mero acessório; mais, muito mais do que qualquer uma que a precedeu. E é uma pena desperdiçar uma mulher como Olga Kurylenko, que tinha tudo para se tornar numa memorável bondgirl.


Conclusão: não se percebe como um argumentista do calibre de Paul Haggis, o realizador do fabuloso "Crash", foi capaz de um tiro tão ao lado quanto este argumento, como também não se compreende como um cineasta tão capaz quanto Forster se decidíu a filmar uma aventura de James Bond, um estilo de cinema nos antípodas do que ele costuma fazer. Acima de tudo não consigo compreender como, depois de terem descoberto a fórmula para fazer reviver o interesse pelo universo do agente secreto mais famoso do mundo, se decidiram os produtores a deitar tudo por terra e retomar as fórmulas antigas, gastas e desinteressantes e, acima de tudo, uma simples cópia de algo que já havia sido feito com outro herói dos filmes de acção: Jason Bourne.

A trilogia Bourne - surpreendente Matt Damon - foi feita precisamente tendo como base todo um estilo bondiano. Pegou nessa matriz, moldou-a ao século XXI e criou um novo conceito de agente secreto, com acção a rodos, intenso, emotivo e humano, com falhas e pontos fracos. Este Bond é uma cópia fatela de Bourne, e fatela porque se milita a imitar o estilo de filmagem, o modo como a história nos é contada, e mesmo o ritmo de fuga constante de Bond, que passa o filme a fugir de uns e à caça de outros. E aborrece...

Apesar de toda esta conversa fiada, não consigo deixar de estar já à espera do próximo filme de 007. Quanto mais não seja por três razões: porque me parece que não vão continuar com sequelas, o que indica que vão ter de escolher novo vilão, um novo argumento (consistente) e porque Daniel Craig é, indiscutivelmente o melhor Bond de sempre. É ele que em última análise salva o filme da derrocada total; que lhe empresta alguma dignidade, humanismo e sensibilidade. Assim não fosse e a coisa podia muito bem ser interpretada por um Jean Claude Van Damme com anfetaminas.

Por tudo isto, o poster escolhido como teaser da campanha publicitária não poderia ter sido mais indicado.