E de volta à Máscara de Fogo.
Amanhã começam dez dias de exibição. Dez dias de stress, mas de alívio por ver finalmente um projecto tão pesado e tão volumoso em cena. Ver as reacções, perceber o que toca os espectadores, o que muda de uma noite para a seguinte, como vai continuar a crescer, de amanhã até o próximo dia 28.
Ontem, num ensaio que deveria ter sido para a imprensa e que acabou por não ser porque... não havia imprensa, percebi pela primeira vez que esta peça é incómoda. Desconfortável.
Não se trata exactamente de teatro-choque, mas incomoda os espectadores que a ela assistem e por diversas razões. É tensa e intensa - muito -, aborda assuntos e tabus que não são nunca bem encaixados em parâmetros de normalidade. As personagens oscilam entre a loucura e a demência apoiadas numa fronteira demasiado frágil. São más, são reles, são irritantes e irritáveis, voláteis e pornograficamente violentas.
É teatro-incómodo o que se pode ver no Museu do Carro Eléctrico.
Mas são pessoas.
Pessoas que, de vez em quando, podem ser vistas por debaixo da pele das suas personagens. O actor é o que é enquanto ser humano, e a personagem carrega esse peso. O peso de se ser humano. E enquanto observo os meus colegas a trabalhar, percebo que estou de facto a ver a Leonor, a Joana, a Inês, a Milene e não a OLGA; é o João quem berra com os pais à mesa e não o KURT; é o Nuno que quer esborrachar a cabeça do irmão da namorada de encontro a uma parede e não o PAUL, sou eu que quero fazer sexo com a minha filha e nunca o HANS; e a mãe, que está farta daquela vida e não sabe muito bem como agir, não é de facto ela, mas sim o esforço conjunto de duas actrizes/pessoas, a Arminda e a Isabel.
Foi um sacrifício enorme fazer este trabalho. Como já disse, a factura foi elevada. Ontem, quem esteve presente no ensaio concordava em perceber finalmente porque andamos tão esgotados e porque não conseguimos despir totalmente as personagens e deixá-las penduradas no armário para o dia seguinte. O prémio por ter feito este trabalho já o estamos a receber desde o primeiro dia. Pessoalmente sinto-me enriquecido. Pelas pessoas que conheci - actores e técnicos -, pelo que aprendi enquanto actor e pelo prazer de trabalhar pessoalmente com alguns dos actores desta peça - já que os outros já conhecia de trabalhos anteriores. Não destaco nomes, obviamente. Mas algumas pessoas foram importantes no processo de criação de uma personagem e da relação dela com os outros intervenientes. Os técnico foram de uma entrega anormal. Criaram luz e manobram-na sempre com a intenção de enriquecer um espectáculo tão complexo e difícil que cheguei a pensar que as incompatibilidades seriam ainda maiores do que foram. Acabaram por ser uma normalidade num trabalho desta dimensão. Um grão de areia que não serviu para estragar nada.
Para o público, provavelmente esta complexidade de que tanto falo não vai ser sequer percebida. É também sinal de que o nosso trabalho será bem executado. Mas acreditem. Por trás de cada passo que um actor dá; por trás de cada palavra que diz; por trás de cada luz que apaga para se acender outra, há o trabalho de muita gente. Muitas cedências, muito suor e sacrifícios de todo o género e feitio.
E isto tudo para dez dias de exibição. Mas dez dias intensos.
Acreditem.
2 Comments:
At 14:35, Anónimo said…
Não gostei muito deste texto, mas gostei do espectáculo e muito da tua personagem!
E agora já deves perceber melhor o meu entusiasmo pela parte técnica que ninguém vê!
At 20:22, José Miguel Neves said…
rapaz,
Boa estreia, Merda! A promoção já lá está;-)
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