Tu és um homem de paixões violentas, um homem faminto que não sabe ao certo sobre que recai o seu apetite, um homem profundamente frustrado que luta no intuito de projectar a sua individualidade no espaldar da rígida conformidade. Existes num submundo suspenso entre duas superestruturas, uma de auto-expressão, outra de autodestrição. Tu és forte, mas existe uma falha na tua fortaleza e, a não ser que aprendas a dominar-te, a falha revelar-se-á mais forte do que a fortaleza e destruir-te-á. Qual é essa falha?
Li estas palavras ontem à tarde, sentado á janela, depois dos «pequeno almoço e passeio a pé» rituais dos meus Domingos de manhã, que começam a ser cada vez menos de manhã e cada vez mais ao início da tarde.
Li-as no livro "A Sangue Frio", de Truman Capote.
Na sexta feira soube que um bom amigo meu - um dos melhores - e uma das pessoas que mais amo na vida tinha estado doente. Nada de grave, mas preocupantemente doente. Conversamos sobre coisas que nunca havíamos falado e confrontámo-nos com o facto da maioria das pessoas não querer olhar para um dos «eus» que transporta consigo. O meu amigo fez isso por demasiado tempo e acabou invariavelmente por pagar a factura. A conversa levou-o à pergunta do costume, aquela que se faz sempre entre amigos, e tu, como estás?. As queixas do costume. O cansaço mental provocado pelos ensaios da peça, as poucas horas de sono em que eu teimosamente insisto, as inseguranças...
Atirou-me um tu culpas-te muito, não é?, que me deixou a pensar. A pensar nesse tal «eu» que transporto comigo e a que tento não prestar muita atenção e que no entanto acaba por comandar a minha vida. Mais do que qualquer outro «eu» que possa viver cá dentro.
À noite fui assistir ao lançamento de um livro, no Clube Literário do Porto - livro esse que aconselho francamente, embora não o tenha lido ainda. Chama-se O Último Nocturno e o seu autor é Aires Montenegro. Sinceramente parece-me muito bom, procurem-no.
Durante a apresentação tive uma sensação estranhamente certa. A certeza inabalável de que não tenho qualquer peso na vida das pessoas. Não me censurem, não é coisa que se sinta propositadamente e nem sei bem explicar como se sente algo assim. Mas foi muito forte.
Tu culpas-te muito, não é?
Saí da sala impecável, sorri e cumprimentei; dei os parabéns a quem os merecia e apertei mãos. Combinei o jogo de futebol do dia seguinte e saí, mas há já muito tempo que não estava naquela sala.
O resto da noite foi doloroso por isso e pela confrontação com as minhas fraquezas e com o meu comportamento por vezes anti-social. Nem me apercebo, mas devo ser uma pessoa nem sempre fácil de lidar ou compreender.
Ontem, ao ler as palavras no livro de Capote, senti o fechar do ciclo iniciado pelas do André, na sexta feira. Um ciclo pautado pela absoluta certeza da descoberta de algo que até aqui era somente um acho que...
A descoberta de que, de todas as inseguranças, de todos os fantasmas, criados pelo meu passado recente - e que tenho vindo a matar, um a um, com a ajuda de alguém que os conhece tão bem - ainda há um, enorme, pesado, balofo, que insiste em viver comodamente sentado cá dentro, não sei bem onde, e que me impede qualquer movimento mais ágil. Este fim de semana percebi finalmente que só existe uma falha na minha fortaleza, e consegui identificá-la na perfeição.
Este fim de semana, tudo se alinhou numa estranha e retorcida harmonia; as palavras dos outros, as suas opiniões a meu respeito, as situações com que fui confrontado; tudo se conjugou para eu descobrir finalmente e de uma vez por todas que não acredito em mim.
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