Alice
Sentado no banco de madeira à janela olhei para ti.
Estavas a chorar e eu não conseguia perceber se estavas triste ou zangada comigo. Mas soube imediatamente que estavas a chorar por minha causa.
Senti uma estranha vergonha, como se tivesse feito alguma coisa errada, mas não conseguia lembrar-me...
Desviei o olhar para a janela ao meu lado e pude ver o Inverno lá fora.
Apercebi-me de que tinha café no copo e peguei nele para o levar à boca. Tinha de fazer alguma coisa para quebrar aquela sensação de culpa, mas o estômago não me deixou beber.
Levantei-me num salto. Os ossos das pernas deviam-se ter queixado, mas estranhamente sentia-me mais forte do que nunca. Só as entranhas se continuavam a revoltar contra mim.
Sem saber muito bem que caminho percorrer entre o meu banco de madeira e o sofá onde te tinhas sentado há já algumas horas, caminhei para ti ainda sem a certeza de que te conseguiria perguntar o que te fazia chorar daquela maneira. E de facto não consegui proferir uma palavra sequer. Não tenho a certeza de ter dito o teu nome...
Tinhas nas mãos uma fotografia minha. Aquela que tirei no meu primeiro dia de licença em Ardenne, lembras-te? Acho que nunca me tinha penteado tão bem. Os soldados quando se arranjam para as fotografias ficam sempre com ar de escuteiros, escreveste tu na carta que me enviaste no mesmo dia em que recebeste essa fotografia. Rimo-nos tanto com essa carta.
Falavamos sempre de tudo, e agora não te conseguia sequer perguntar porque choras?.
Pensei em pousar a minha mão nas tuas, no teu colo, mas faltaram-me as forças.
Tinha-te magoado, isso era certo. Tinha-te feito um mal irreparável.
Nunca me tinha sentido tão desconfortável.
Pensei que talvez fosse melhor sair de casa, apanhar ar fresco.
O Inverno que tinha visto da nossa janela era um dos mais rigorosos de que havia memória, mas algo mais forte do que eu tinha-me agarrado pelo cobertor sobre os meus ombros e me arrastava agora lá para fora.
Achei por bem sair, então.
Assim que cheguei à porta e olhei novamente para ti, tive a sensação de que nunca te voltaria a ver. E senti uma dor tão forte no coração que parecia até que tinha parado de bater. E essa sensação rapidamente se transformou na certeza mais amarga que alguma vez tinha tido.
Nunca mais te ia ver e de repente nada fazia sentido. Como é que podias estar ali a chorar, obviamente por minha culpa, e eu não conseguia sequer dizer o teu nome? Um nome que me tinha acompanhado a maior parte da vida, que me tinha dado tantas alegrias, que eu tinha tanto orgulho em dizê-lo a toda a gente, a minha Alice.
A confusão fez-se certeza e eu saí de uma vez por todas.
Estranhamente não sentia frio nenhum. Aliás não sentia nada, nem a neve debaixo dos meus pés. Não sentia o vento...
Devo ter caminhado uns quantos metros, o suficiente para deixar de ver a casa, quando me deparei com o meu corpo congelado, meio enterrado na neve. A garganta cortada e a navalha de barbeiro do meu pai ainda na minha mão.
E a neve tão vermelha...
5 Comments:
At 14:57, Anónimo said…
Estava preso
Na minha garganta
Aquele grito
Que mil vezes repito
Num silêncio ileso
De um som coeso
Que a minha voz não canta.
Queria dizer-te
Mas não tive CORAGEM.
Não consegui
Pintar a imagem,
Olhar-te e descrever-te.
Perdi-me nessa viagem
Onde me esqueci
Por me tentar lembrar de ti.
Agora trago
Esta dor
Este sabor amargo
Que na minha alma se levanta
Como um peso.
E não fui capaz de dizer AMOR
Nesse grito
Em que já não acredito
E que estava preso
Na minha garganta.
At 15:16, baba said…
Eu grito SEMPRE muito alto AMOR!!!!!
Sempre!
At 16:12, Anónimo said…
DAQUI NÃO SE OUVE NADA!!!
At 18:01, baba said…
Ah, mas grito ao ouvido. E poucos são os eleitos! : )
At 12:30, Anónimo said…
É bom sentir, espreitar, as sensações vindas do outro lado. É bom, gosto, de perceber que esse lado existe e continua a "mexer". A não ser assim... fará sentido?!? Provavelmente, este comentário não fará sentido mas apenas queria dizer-te que gostei muito do texto, além do amor, além da Alice, além do choro e do nome.
É bom saber que o outro lado está e eu por cá morro de saudade e nem é preciso perguntar porque choro.
Beijo in(tenso)
Chilango Power
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