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Bom Karma... ou não!

quarta-feira, janeiro 27, 2016

A DINAMARCA ESTÁ PODRE



Eu não tenho uma solução para o problema dos milhares de refugiados que todos os dias chegam à Europa. Ou melhor, tenho, mas é uma solução que implicava descer várias camadas de níveis históricos, sociais, políticos e cronológicos; uma espécie de viagem no tempo ao tempo em que tudo começou a sair da linha, a ficar enviesado e a retorcer-se para o que é hoje uma realidade (aparentemente) inelutável.

Da mesma forma, não sei se a Dinamarca é um país racista. Dizer que sim seria fácil, à luz dos últimos acontecimentos e das decisões políticas assumidas pelo seu governo. Seria fácil e seria igualmente a simplificação de uma questão que não se pode, penso eu, resumir a motivos de preconceito estúpido. Há algo mais do que apenas racismo nestas tomadas de posição da Dinamarca e de outros países europeus.

Há racismo, pois claro, mas há também uma arrogância de países ricos que perante os pobres o que querem mais é não serem chateados. Como aquele milionário que sai do restaurante cinco estrelas Michelin e se afasta do pedinte que não come há uns dias e que ainda é capaz de vociferar um qualquer insulto ou piadola aviltante. É disto que se fala quando se fala da velha Europa: um conjunto de ricaços, no seu clube de cavalheiros, bem acomodados, bem comidos e melhor bebidos que escarnicam dos que lá fora não têm sequer um caixote para se sentar. A Europa, a velha e orgulhosa e babona Europa, é um burguês eternamente enjoado, permanentemente enfadado com as vidas dos outros.

E pelo meio há racismo. E pelo meio há xenofobia. Que não são mais do que as armas escondidas que garantem que a boa vida dos europeus não é ameaçada pela pobreza e miséria e desgraça dos outros. Pobreza e miséria e desgraça que na origem – a tal origem a que era preciso recuar para se tentar resolver o problema – teve o dedo sujo da Europa.

Há uns meses demo-nos conta de que os nossos amigos, familiares e conhecidos eram racistas e xenófobos. Subitamente, a maior rede social do mundo era a malha que une duas traineiras e em que todo o tipo de peixe podre vinha cair. E ficámos chocados. Chocaram-nos as palavras de quem, jurávamos, não seria nunca capaz de tanto ódio, de tanta frieza e insensibilidade. De quem desejava ainda mais desgraça àqueles desgraçados que davam à costa meio mortos, todos mortos, cada vez mais mortos, ainda bem que mortos, que nós vivos já cá temos que chegue. Abriram-nos a boca de espanto à custa de porrada da feia, à custa da desilusão e da vergonha de conhecermos pessoas capazes de tão asqueroso comportamento.

E, como sempre nestas coisas, o indivíduo tornou-se horda e a horda tornou-se nação e a nação vai bem lançada para se tornar um continente inteiro. A Europa vaidosa de si própria, orgulhosa da sua humanidade, sucumbiu à mentira da benevolência, da defesa dos direitos humanos, do anfitrião que sabe receber e mostrou a sua verdadeira cara feia de burguês que nasceu com um pedacinho de cocó debaixo da ponta do nariz.

E portanto temos a Dinamarca a fazer a vez dos nazis e dos russos de há 80 anos; a ficar com os pertences de quem lhe pede ajuda, a recusar a reunião de familiares separados na freima da fuga ao horror. E temos cercas e arame farpado e cães e soldados; somos uma quinta de luxo, um resort for members only, protegido pelo que de mais avançado há em matéria de segurança contra assaltos. Só que não estamos a ser assaltados e as nossas tácticas de defesa não são avançadas: são uma simples réplica do pior que a humanidade já teve e foi tendo, escondido dos olhos mais atentos por campanhas de marketing e de frases bonitas para t-shirts, never again, never forget

E tenho vergonha de ser europeu a passos largos para ter vergonha de ser humano.

«Os turcos! Os turcos!»
«Quero que se fodam!»


escreveu Howard Barker na peça Os Europeus em 1987. E nada mudou, entretanto. E esta repetição de ciclos que se repetem dentro de si mesmos cria uma inevitabilidade de repetição que me faz acreditar cada vez mais que nada disto algum dia terá solução.