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Bom Karma... ou não!

terça-feira, abril 29, 2014

CARTA ABERTA AO BLOCO



Caríssimos bloquistas (bloqueiros, bloquentos ou bloquitos, nunca sei bem),

A propósito do vosso recente ciclo de cinema, levado a cabo nos quase extintos cinemas Trindade, e que de resto me pareceu conter uma seleção bem interessante de filmes, vim a tomar conhecimento da mensagem de divulgação/convocatória/chamada às armas escrita ­– ou pelo menos assinada – pela vossa coordenadora, Catarina Martins, e do vídeo bastante mal amanhado, diga-se, com o mesmo objectivo e em que podemos ver um senhor Soeiro a falar, mais ou menos escorreitamente, sobre toda a iniciativa.

Pois bem, não perdendo de vista a boa ideia de realizar um ciclo de cinema, parece-me no entanto importante realçar a forma da mensagem e o seu objectivo político nem por isso bem escondido – ou provavelmente assumidíssimo.

Diz a Martins mesmo no final da sua mensagem que num país onde não existe Ministério da Cultura, num Porto a quem os equipamentos culturais foram sendo sucessivamente subtraídos nestes últimos 12 anos, numa cidade e num país onde a austeridade nos morde as canelas e que todos os dias vê tanta gente partir, abrir o Trindade por três dias é, em si mesmo, um ato de resistência. Complementando esta ideia, o senhor Soeiro chama à iniciativa um acto de desobediência civil e é sobre estes termos tão fortes e revolucionários que eu gostava de conversas com vossas excelências.

Ora bem, todos sabemos que as eleições europeias estão à porta e que uma empreitada cultural desta natureza é uma fantástica oportunidade de dar nas vistas, fazer passar uma espécie de mensagem e pelo caminho conseguir uma preciosa e mui objectiva pré-campanha eleitoral. Todos os partidos fazem pré-campanhas eleitorais; uns de uma forma, outros de outra, todas elas mais ou menos desavergonhadas e o povo já está habituado a isso e já nem repara nos objectivos disfarçados. O que aborrece nas mensagens de venham lá ao cinema do Bloco é a falsa ideia de que indo faremos parte de uma revolução, de um acto de rebeldia, de desobediência civil e que também nós seremos cúmplices soldados da resistência.

Pois muito bem, achei que vos devia dizer que há mais rebeldia e desobediência civil num peão que atravessa a passadeira quando o semáforo está verde para os carros. E em boa verdade nem precisava de vos dizer algo que vocês sabem bem. O problema é que ainda há uns quantos que não percebem isso e acreditam nas patranhas que os partidos lhes contam. O problema é que é precisamente desse modo que se conseguem mais umas quantas pessoas e, consecutivamente, mais uns quantos votos nas urnas. E todos sabemos o preço a que está o quilo do voto por estes dias.

Lamento que tenha de ser assim. Lamento especialmente porque ainda acredito que o Bloco e outros partidos (não todos) deste nosso país político conseguiriam atrair gente aos seus objectivos e preocupações por força de propostas válida, úteis e que realmente significassem uma alternativa e uma mudança de rumo. Mas eu percebo, somos um partido jovem, de jovens e para os jovens e há que procurar novas formas de cativar eleitores, que as mais recentes eleições não nos sorriram lá muito, irra!

Ainda assim. Chamem as coisas pelos nomes próprios e deixem lá o sonho de uma nova revolução de lado. Não vai acontecer, nem nas ruas, nem nas urnas e muito menos no parlamento europeu. O povo que encheu (e ainda bem) as sessões do vosso ciclo de cinema ainda gosta mais de pão e vinho do que de pensar em coisas sérias, especialmente se não tiver de pagar para se entreter e divertir.

Para terminar, parabéns (sinceros) pela iniciativa, desejos de que esta se possa repetir, mas sem o discursinho rebeldo-revolucionário-insurgente. É ridículo e não faz nada pela vossa vontade de serem levados a sério.